
Nesta semana o turismo faz capa da Notícias Magazine. Uma reportagem sobre como o crescimento do número de turistas mudou a vida de algumas pessoas que fizeram disso negócio. É um bom contraponto a uma ideia que anda por aí há uns tempos a levantar- se e que alardeia que o turismo pode ser mau para os habitantes da cidade. No caso, a situação coloca-se na cidade de Lisboa – mas aposto que não tarda nada chegará ao Porto. Os críticos chamam-lhe turistização da cidade. O Jornal de Negócios dedicou quatro páginas ao problema da habitação nos bairros históricos. E o Público, que já tinha feito há um ano uma grande reportagem sobre o tema, voltou à carga com uma matéria cujo elucidativo título era «Lisboetas sentem-se cada vez mais acossados pelo turismo». Também Catarina Portas se indignou no seu Facebook sobre a desumanização da Rua Augusta.
Não sei de que lisboetas fala a reportagem do Público nem que sondagem foi levada a cabo para chegar a tal conclusão. A mim, que lisboeta me confesso, outros adjetivos se aplicariam melhor, no que à vinda de turistas para a cidade diz respeito: lisboeta sente-se cada vez mais deliciada com o turismo. Ou: lisboeta sente-se cada vez mais curiosa com o turismo. Ainda: lisboeta sente-se cada vez mais cosmopolita com o turismo. Assim à primeira, à segunda, à terceira e mesmo à quarta vista não encontro nenhum adjetivo de sentido negativo que pudesse aplicar.
Julgo fazer das minhas as palavras de muita gente que conheço, lisboeta de nascimento, de vida ou opção. E mesmo de muitos outros portugueses que cá não moram mas que são turistas, internos. Todos aproveitamos o que a cidade tem para oferecer aos estrangeiros. E estamos contentes com isso. Prédios renovados. Cafés sem azulejos nas paredes. Restaurantes onde apetece ficar. Novas esplanadas. Animação nas ruas. E, até, um passeio de tuk-tuk ao sol branco da capital. Sim, gosto de ver a minha cidade a ser amada. Lisboa brilha aos olhos dos turistas. Sabem como é… em casa de ferreiro… Gosto de me cruzar com eles e de ouvir as conversas das mesas ao lado, descobrindo o que eu já descobri há muito.
Não é esta, no entanto, a visão dos críticos. A esses não interessa nada que o turismo tenha trazido tantas riquezas a Lisboa – e a lisboetas como aqueles de que falamos na reportagem que faz capa desta edição. Os críticos gostavam mais da cidade só e solitária
– a que ninguém ligava, nem locais nem forasteiros. Dos prédios degradados e devolutos. Dos cafés vazios e com cheiro a azedo. Das tascas imundas mas… ai, ai tão pitorescas. Desenganem-se os que insistem na tese de que os moradores estão a ser afastados dos seus bairros pelos turistas. Não. Lisboa estava desabitada, foi deixada pelos que fugiram das más condições dos bairros populares, prédios velhos e falta de lugar para estacionar o carro. E se foi ocupada pelos turistas foi por manifesta falta de comparência.
Tudo o que aconteceu nos últimos anos a Lisboa teve tanto de planeado como de espontâneo. Houve políticas – locais e nacionais. Mas houve sobretudo a ordem natural das coisas a funcionar. Lisboa é linda e conquista quem por ela passa – como dizem tantas canções. Acham que este pensamento é simplista? Desde há 500 anos que a nossa história se faz de dois tipos de pessoas: os velhos do Restelo e os outros. Não há muitas dúvidas sobre que grupo mais põe as coisas a andar para a frente.
[Publicado originalmente na edição de 7 de junho de 2015]