Quem nunca pesquisou uma doença na internet que atire a primeira pedra. O ditado não é bem assim, mas vem a calhar. O «Doutor Google» faz parte do dia-a-dia de muitas pessoas, que ao mínimo sintoma procuram respostas na rede. E sofrem com elas. Na terça-feira assinala-se o Dia Mundial da Saúde. Hoje, falamos de um fenómeno cada vez mais frequente. E que raramente é bom remédio.
Se há uns anos era impensável fazer um diagnóstico via internet ou pesquisar informações variadas sobre sintomas e doenças, atualmente está mesmo à distância de um clique… Ou parece estar. A internet tornou-se um meio fácil e rápido de aceder a informações, com todos os riscos que isso acarreta. «De repente, passámos a ter acesso facilitado a tudo», explica Cláudia Penedo, clínica de medicina geral e familiar da Unidade de Saúde Familiar Emergir, na Parede. Da pesquisa ao pânico causado pela convicção de que se tem uma doença incurável ou pouco tempo de vida vai um pequeno passo. Pode parecer exagero, mas na realidade há quem sofra desesperadamente com aquilo a que se chama cibercondria, uma perturbação com sintomas somáticos a nível médico, uma espécie de hipocondria dos tempos modernos, que é como quem diz, do mundo virtual. Mas, apesar de estar relacionada com pensamentos desadequados e exagerados para quem dela sofre, de virtual pouco tem, tal é a crença de que se padece, na realidade, da doença que se encontrou numa determinada pesquisa. «Com o incremento de blogues, sites e partilhas de informação online, o leque de possibilidades aumentou imenso», refere a médica. Deste comportamento ao diagnóstico certeiro, o percurso pode ser longo. Apesar de ser possível partir-se de apenas um sintoma físico, são precisos, no mínimo, seis meses de ansiedade excessiva e preocupação exagerada relativamente ao mesmo. Cláudia Penedo revela que «as pessoas que são diagnosticadas com hipocondria sofrem imenso ao acreditar que podem ter uma patologia grave, sendo a dor o sintoma mais referenciado em consulta.»
Bárbara [nome fictício], de 36 anos, não se considera hipocondríaca mas sofre por antecipação com algumas informações que encontra na internet. Começou a fazer pesquisas quando começaram a ser noticiados casos de pessoas de todas as idades com cancro, tanto nos meios de comunicação social como nas redes sociais. Até então esta questão passava-lhe completamente ao lado. «Recorro muitas vezes a pesquisas na internet quando eu ou algum familiar temos algum sintoma físico ou alguma doença. Faço-o no sentido de perceber melhor o que se passa, mas a informação disponível é tanta que fico confusa pelo lado negativo. Ou seja, as explicações relacionadas com o pior cenário são as que me deixam mais preocupada», revela. As pesquisas que faz deixam-na intranquila e com a perfeita consciência de que «não o deveria fazer» por não saber interpretar corretamente as informações que encontra. «Tenho tentado controlar a curiosidade e evitar pesquisas que me façam sofrer antecipadamente ou de forma errada», diz.
Além das sucessivas pesquisas na internet, as pessoas estão muito focadas em si mesmas e desengane-se quem pensa que se preocupam muito com a saúde. Na verdade, «estão muito concentradas na perspetiva de terem uma doença, não conseguindo acreditar que estão ou são saudáveis». É mesmo isso que preocupa Bárbara: a probabilidade de ser diagnosticada uma doença na família, ainda que também utilize a web para encontrar informações sobre tratamentos caseiros para a constipação e a tosse, por exemplo, ou para procurar alternativas para uma alimentação mais saudável com produtos biológicos. «Como sou mãe, estou constantemente alerta para cuidados e dicas que me possam ajudar em problemas que vão surgindo à minha filha», acrescenta.
Os riscos das sucessivas buscas na internet, na prática, são evidenciados em comportamentos repetidos, como por exemplo «recorrer frequentemente aos cuidados de saúde, mudar de médico para pedir outras opiniões, ir demasiadas vezes às urgências do hospital e fazer exames complementares de diagnóstico além do que é recomendado», salienta Cláudia Penedo. Um exemplo é a regularidade com que uma mulher se submete a uma mamografia sujeitando-se a níveis de radiação mais altos do que seria necessário. «Recebemos na nossa consulta mulheres que querem realizar este exame todos os anos, o que não é suposto. A própria radiação da mamografia é um risco, mas perante este cenário algumas mulheres preferem fazê-la anualmente para lhes dar uma falsa sensação de segurança de que não têm um cancro», sublinha a especialista, acreditando que «se fosse dada a possibilidade de solicitar exames via internet as pessoas faziam-no, em vez de esperarem que o seu médico os recomende e prescreva».
A tudo isto junta-se um sentimento de insatisfação contínua e de expetativas frustradas. «É comum pensar-se que não foi feito o suficiente, que houve desvalorização por parte do médico e que as respostas dadas foram vagas.» Daqui resulta, não raras vezes, a falta de confiança no médico assistente. «Mesmo que a indicação médica possa ser a de que não existe nada para a pessoa se preocupar, esse facto não é suficiente para que fique tranquila», explica José Pedro Sequeira, psicólogo clínico, com formação em psicoterapia e presidente da Associação Portuguesa de Psicoterapia Psicanalítica do Casal e da Família.
Outra das desvantagens do fácil acesso a informações de saúde via internet é a automedicação e a compra de medicamentos nas farmácias. São também doentes que têm como denominador comum o facto de sentirem muitos efeitos secundários quando tomam um medicamento, «sobretudo depois de lerem a bula que também está disponível online».
Um doente hipocondríaco responde a traços de personalidade muito próprios. «São pessoas que se sentem muito incompreendidas e frustradas com o mundo à sua volta», explica Cláudia Penedo. A falta de autoestima também é relevante. «É quase como se a pessoa sentisse a confiança no seu corpo muito ameaçada. Muitas vezes, entra nessa luta e é o corpo que surge como o lugar de diálogo com estas angústias. O doente hipocondríaco, na maioria das vezes, tem dificuldade em aceitar perdas e a condição de fragilidade com que todos nos confrontamos durante a vida. Há também um grande medo da morte associado a este perfil e a falsa ideia de que se consegue controlar tudo», defende o psicólogo clínico.
Como tratar?
É um círculo vicioso. A internet pode funcionar como um «veículo para um mau serviço público», defende Cláudia Penedo. Por esse motivo, é fundamental filtrar a informação a que se acede. «Julgo que se deve relativizar sempre aquilo que se lê e optar por sites preferencialmente escritos por médicos e outros técnicos de saúde», sublinha. Caso não saiba optar pelas informações mais fidedignas, o melhor é aconselhar-se antes de fazer pesquisas aleatórias.
A boa notícia é que existe tratamento ainda que tenha de ser muito individualizado como em qualquer doença do foro mental. «A medicação é sempre uma solução de recurso de primeira linha e temporária. Pode ajudar, mas na minha perspetiva deve recorrer-se a um trabalho psicoterapêutico mais sustentado», defende José Pedro Sequeira. Só um profissional na área da psicologia pode dar «um significado a esta intranquilidade que a pessoa transporta diariamente». As respostas que os doentes hipocondríacos procuram na internet têm muitas vezes «o efeito contrário» deixando-as ainda mais preocupadas e ansiosas. Por outro lado, não é fácil aceitar que, na verdade, o que estas pessoas têm é um problema de foro mental. «É delicado para estas pessoas falarem de situações que as incomodam, pelo que o acompanhamento psicológico pode não ser aceite pacificamente», reforça o psicólogo. Tudo isto faz da hipocondria uma das doenças mais difíceis de aceitar. «É difícil reconhecer que tudo o que se sente está na cabeça quando existe um sintoma físico que limita a vida diária e traz angústia», sustenta a médica interna.
É criada a ilusão nestes pacientes de que conseguem «curar o incurável» e de que estão salvaguardados contra a doença e todos os males. «Um sinal de alerta é precisamente quando a ansiedade é muito intensa e não há sossego. Se a internet é um motor de busca de respostas e não é tranquilizador é sinónimo de que se deve procurar apoio junto de um especialista na área de psicologia», conclui José Pedro Sequeira. Se se identifica com alguns dos sinais de cibercondria descritos, tenha cuidado e procure ajuda especializada para evitar que este comportamento se perpetue.