Portugal, um país de treinadores

Termina hoje a I Liga de futebol e o treinador campeão é Jorge Jesus. Mas, por toda a Europa, há uma mão-cheia de treinadores portugueses também a festejar títulos. Influenciada pelo sucesso deles, nasce uma nova geração de técnicos. Não sonham em ser Ronaldos – sonham em ser Mourinhos. Nunca foram craques da bola, mas querem ser os melhores misters do mundo. E começam cedo.

Francisco Guimarães está habituado a conversar com jornalistas, apesar dos 17 anos. Sobretudo por causa dos 17 anos. Já foi entrevistado para jornais e revistas de desporto. E foi à televisão, ao programa MaisFutebol (TVI24). «É normal que exista alguma curiosidade à minha volta. Não há muitos treinadores que tenham começado a trabalhar tão cedo», diz, com voz firme, sem deixar perceber qualquer fragilidade ou deslumbramento pelo mediatismo dos últimos meses. Como se este fosse apenas o princípio de um longo caminho que está destinado a percorrer.

A realidade precisa constantemente de novos heróis, fenómenos que imitem ou rompam com as referências do passado, e Francisco parece preencher todos os requisitos. Estaremos perante um futuro Mourinho? Ou um novo Villas-Boas, que aos 16 anos ousou questionar e dar conselhos ao seu vizinho, Sir Bobby Robson, à época treinador do Futebol Clube do Porto e acabou por integrar a equipa técnica do clube?

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Aos 17 anos, Franscisco Guimarães começou a orientar jogadores mais velhos do que ele.

Francisco, como tantos outros miúdos, começou a jogar futebol aos 8 anos, mas aos 14 decidiu que estava na hora de pendurar as chuteiras. Mais do que a falta de talento, «até porque com essa idade ninguém desiste de ser jogador se esse for mesmo o seu sonho», foi uma paixão inesperada pelo treino que o arrastou para o banco de suplentes. «Teve que ver com um treinador que me marcou muito. Era um grupo extremamente unido, quase como uma família, tudo graças a ele. Comecei a ficar fascinado também pela parte técnica», diz. Depois de um ano nos iniciados do Linda-a-Velha, como treinador adjunto e observador, pediu ao Estoril Praia para assistir a alguns treinos da equipa, começou a fazer relatórios e acabou por convencer os responsáveis a dar-lhe uma oportunidade como treinador adjunto dos juniores. O mesmo é dizer que passou a orientar jogadores mais velhos do que ele. Apesar de estarem ambos, treinador e jogadores, numa idade em que as personalidades ainda estão em formação, Francisco garante que nunca teve problemas. «A princípio foi estranho, mas aceitaram-me bem. Nunca quis forçar nada nem mostrar que era o maior.»

Mas procura aprender com os melhores. Não tem vergonha, vai a jogo, mete conversa com os mestres, com os colegas. Conheceu Fernando Santos num congresso de treinadores. «Fiz-lhe uma pergunta e, no fim, pedi-lhe o e-mail e passei a enviar-lhe os relatórios do Linda-a-Velha». O atual selecionador nacional respondia-lhe. Continuam a manter o contacto. Conheceu também Sá Pinto, Jorge Jesus, Norton de Matos ou o professor Manuel Sérgio, a quem José Mourinho se refere amiúde como um dos seus mestres. «Ainda agora me convidou para assistir ao lançamento do seu último livro.» A abordagem foi em tudo semelhante. «Pedi-lhe o contacto depois de uma palestra e enviei-lhe um trabalho que fiz sobre o Mourinho.» Manuel Sérgio ligou-lhe passado uma semana a comentar. Gestos tão motivadores como golos ao ângulo. «Além de acharem graça, acho que as pessoas me levam a sério. É claro que isso me dá força para continuar», diz.

Quem também o leva a sério são os pais, até porque o tempo que dedica ao desporto é já maior do que aquele que dedica aos estudos. Está no 12.º ano mas não vai para a universidade, nem sequer para a Faculdade de Motricidade Humana, a cinco minutos de casa. Francisco vive em Belém, a faculdade fica junto ao Complexo Desportivo do Jamor. Em agosto vai para Londres tirar um curso de treinador, depois quer apostar tudo no futebol, continuar a integrar equipas técnicas. Evoluir. «Sou uma pessoa responsável e equilibrada. Sempre que pus na cabeça um objetivo consegui lá chegar.» O objetivo é ser treinador principal na I Liga, «mas sem pressas», conclui. Os jornalistas cá estarão para recuperar e repetir a sua história.

JOANA TILLY E RITA GONÇALVES, ambas com 21 anos, têm o mesmo sonho de singrar no futebol. Masculino. Não têm nada contra o futebol feminino, «se puder ser útil não é algo que ponha de lado, até porque está cada vez mais evoluído», diz Rita, apesar de ser a comandar homens que quer, como Joana, deixar a sua marca. Sabem, contudo, que não será fácil. «Basta ver o caso da Helena Costa», dizem em sintonia. A portuguesa foi a primeira mulher do mundo a ser anunciada como treinadora principal de um clube profissional (Clermont Foot 63, da segunda divisão francesa), mas acabou por demitir-se inesperadamente antes do início da época 2014-2015, vindo a afirmar mais tarde que não se sentiu respeitada por parte da direção do clube.

Joana é treinadora adjunta dos iniciados do Casa Pia, em Lisboa, Rita desempenha o mesmo cargo no 1.º de Dezembro, em Sintra. Garantem que «ainda» não se sentiram discriminadas por serem mulheres, «o que às vezes acontece é perguntarem-nos se somos massagistas», adianta Rita, encolhendo os ombros. Fábio Azedo, 22 anos, interrompe. «Eu trabalho no mesmo clube da Joana (é treinador adjunto do juvenis) e vejo que há uma confiança total no trabalho dela. No Casa Pia acreditamos que qualquer treinador com formação pode ajudar a nossa equipa. Esta geração tem uma disposição maior para quebrar com preconceitos.»

São alunos da Faculdade de Motricidade Humana (FMH). Assistem a uma aula do professor José Gomes Pereira, ex-nadador olímpico, diretor clínico do Sporting durante doze anos, coordenador do mestrado em Treino de Alto Rendimento. Não esconde o orgulho nos miúdos. «É gente muito nova, mas é gente que faz, que anda no terreno.» A faculdade foi pioneira no ensino do futebol, no início da década de 1980, com professores como Jesualdo Ferreira, Carlos Queirós, Rui Caçador ou Nelo Vingada, todos eles com percurso ligado à seleção nacional. Foi também aqui que estudou José Mourinho. Tão ilustre galeria poderá criar expectativas demasiado elevadas, eles garantem que estão preparados. Que a academia lhes aumentou a visão periférica. «Muitos de nós viemos com a ideia de que sairíamos daqui como treinadores principais, mas fomos percebendo que há muitas etapas até lá chegar. E, mesmo que não cheguemos, há vários cargos na área do futebol em que podemos ser úteis», diz Manuel André, 21 anos, treinador principal da equipa de infantis 7 do Real Sport Clube, de Massamá. «Não é a paixão que desaparece. Apenas nos tornamos mais realistas.»

JOSÉ GOMES PEREIRA concretiza. «Cada vez mais o trabalho de um treinador principal é o resultado de uma equipa. É óbvio que o que é mais sonante é que o Mourinho passou por esta casa, mas há muitos outros que ocupam cargos de relevo.» Dá o exemplo de Miguel Cardoso, responsável pela academia do Shakhtar Donetsk, o milionário clube ucraniano. «Os alunos ficam com conhecimentos para poder intervir no processo de trabalho. Se chegam a treinadores principais ou não, isso não é o mais importante. As equipas são cada vez mais especializadas e pluridisciplinares.» Garante que não há um treinador que abarque todo o conhecimento e que este é tanto melhor quanto a equipa que o rodeia. «Porque é que acha que levam sempre a mesma equipa técnica atrás de si?»

É difícil não criar expectativas, sobretudo depois da mudança de paradigma ocorrida na última década. Se, durante muitos anos, dos bancos portugueses saíram essencialmente ordens dadas «em estrangeiro», não raras vezes provenientes de técnicos desconhecidos que ninguém percebia ao certo como chegavam ao nosso campeonato, agora a hegemonia portuguesa é quase total. O espanhol Julen Lopetegui, treinador do FC Porto, e o brasileiro Fabiano Soares, do Estoril, são os únicos forasteiros aos comandos de equipas da I Liga. Mudança que tem dado também frutos a nível internacional. Nesta época, os técnicos lusos conseguiram mesmo um feito inédito: a conquista de títulos nacionais em cinco países diferentes. José Mourinho em Inglaterra (Chelsea), André Villas-Boas na Rússia (Zenit de São Petersburgo), Paulo Sousa na Suíça (Basileia), Vítor Pereira na Grécia (Olympiacos) e Jorge Jesus em Portugal, pelo Benfica. Jesualdo Ferreira, técnico do Zamalek, no Egito, está igualmente em boas condições de se sagrar campeão. Já Leonardo Jardim, à frente do Mónaco, e Nuno Espírito Santo, do Valência, realizaram excelentes temporadas nas ligas francesa e espanhola. Toni disputou o título iraniano atè à última jornada, aos comandos do Tractor.

A que se deverá tanta qualidade? Haverá uma escola portuguesa de treinadores? Será que o desenrascanço também entra nesta história? Francisco Guimarães acha que sim. «Vemos coisas que os outros não veem. Sempre tivemos esta capacidade do desenrasca e durante o jogo isso é fundamental: prever coisas que os outros não conseguem ou arranjar soluções para o imprevisível.»

Ouçamos alguém mais velho, o seu amigo Manuel Sérgio. Filósofo, antigo professor na FMH, deputado pelo Partido de Solidariedade Nacional (PSN) entre 1991 e 1995, é uma espécie de sábio a quem recorrem aspirantes e consagrados. «Um bom treinador tem de ter três coisas essenciais: ser líder, saber comunicar e, se possível, ser culto», assevera. Mourinho absorveu os seus ensinamentos como poucos. É do técnico do Chelsea o prefácio do seu último livro, O Futebol e Eu, lançado no passado mês de abril, em que o Special One conta: «José Peseiro, meu colega na universidade e também treinador de futebol, já disse publicamente que só agora, como profissional do desporto e com a cabeça a embranquecer, é que passou a entender verdadeiramente o que o professor Manuel Sérgio nos ensinava nas aulas. Eu digo o mesmo. Mas o que nos ensinava ele? Que não sabe de desporto quem sabe só de desporto, porque está na prática desportiva tudo o que é tipicamente humano.» Manuel Sérgio assegura que os treinadores portugueses aprenderam a não se concentrar apenas na parte técnico/tática, até porque «não há chutos, há pessoas que chutam; não há fintas, há pessoas que fintam». Razão pela qual sempre aconselhou os seus alunos a ler. «A vida está toda na boa literatura, nas obras de Cardoso Pires ou Miguel Torga, por exemplo. E o futebol é vida», diz.

AOS 82 ANOS JÁ NÃO ESTÁ propriamente preocupado que o levem a mal e vai mais longe quando o tema é a eterna discussão entre treinadores que foram ex-jogadores e os que nunca jogaram à bola. Johan Cruyff, por exemplo, um dos melhores jogadores de todos os tempos, ex-treinador do Barcelona e alguém que nunca foi grande admirador de Mourinho, chegou a afirmar que este «nunca jogou futebol, e isso nota-se». Manuel Sérgio ri-se e afia uma metáfora. «Não faz sentido nenhum. É o mesmo que dizer que para se ser gastroenterologista é preciso ter sofrido do estômago.» Quanto à ideia de que os ex-praticantes conhecem melhor o balneário, garante que é outro mito. «O balneário é composto por pessoas, não é nenhuma ciência oculta.» Aponta para treinadores portugueses que obtiveram sucesso neste ano e diz que a realidade está aí para prová-lo. Mourinho, Villas-Boas, Vítor Pereira, Jesualdo Ferreira, Leonardo Jardim, nenhum deles jogou, ou jogou pouco e mal, à bola. «Há uma certa proteção em relação aos ex-jogadores, até porque a maioria deles tem de continuar a trabalhar depois de terminar a carreira e ser treinador é a solução mais fácil e imediata. Em muitos casos, a única.»

Garante, contudo, não estar nem contra nem a favor de nenhum dos lados. Apenas não faz distinções. Aliás, nunca escondeu a sua admiração por José Maria Pedroto ou Jorge Jesus, que o convidou para integrar a equipa técnica do Benfica em 2011. «O Jesus, além das suas competências a nível técnico, sabe comunicar com os jogadores. É um líder. Os jogadores respeitam quem admiram», diz. Independentemente do passado e da escola ou do balneário de onde vem.

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«Estabeleci como meta chegar à I Liga aos 35 anos», revela Ricardo Chéu.

Ricardo Chéu é, aos 33 anos, o treinador mais novo dos campeonatos profissionais. Começou a época no Penafiel, da Primeira Liga, mas foi despedido logo à quarta jornada. Algo que não lhe retirou a confiança, muito pelo contrário. Os objetivos estão bem definidos. «Coloquei como meta chegar à II Liga aos 34 anos. Cheguei aos 32. A partir daí estabeleci como meta chegar à I Liga aos 35. Cheguei aos 33. Agora pretendo chegar a um grande até aos 38.» A confiança é o limite. «Não trabalho para ser um dos melhores, mas para ser o melhor», afirma.

Um discurso à Mourinho? Ricardo garante que não quer copiar ninguém, mas reconhece que o treinador do Chelsea foi uma influência e alguém fundamental para desconstruir o estereótipo do professor. Do preparador físico. Desdenha o termo, apesar de se dizer apaixonado pelo treino. «Aos 14, 15 anos, lembro-me de pegar numa caneta e fazer análises das equipas.» Influenciado pelo pai, treinador de formação e pelo irmão, licenciado em Educação Física, licenciou-se também ele em Educação Física e Desporto, no Instituto Universitário da Maia, e nunca mais parou. A história é semelhante a tantas outras. Ainda na faculdade já trabalhava na formação do Salgueiros, integrou as equipas técnicas de Olhanense, Santa Clara e Feirense, até que, em 2013, resolveu iniciar-se como treinador principal no modesto Mirandela. Ricardo é natural de Vila Nova de Foz Coa. Daí ao Académico de Viseu, na II Liga, e ao Penafiel, foi um pequeno passo. De gigante.

O sonho rapidamente virou pesadelo e, após quatro jornadas sem qualquer ponto, sentiu na pele a famosa chicotada psicológica. Num mundo em que dirigentes passam a vida a olhar para o relógio e para os resultados, admite que ser demasiado novo poderá não ter ajudado. Isso e não ter um passado de futebolista. Assume a sua quota parte de responsabilidade perante os maus resultados, garante não querer entrar em polémicas, mas adianta, ainda assim, que entrou no Penafiel de forma fragilizada, uma vez que apenas tinha o apoio do presidente. «O resto da direção não era a favor do meu nome. Além disso não tive grande influência na constituição do plantel.» O que se seguiu mostra que seria, porventura, difícil fazer melhor. Ricardo foi substituído por Rui Quinta – homem da casa e ex-campeão nacional pelo FC Porto integrado na equipa técnica de Vítor Pereira –, que posteriormente veio a ser substituído pelo experiente Carlos Brito. Nada se alterou e o clube vai descer de divisão.

Agora está preparado para voltar ao topo, seguindo a velha máxima de que aquilo que não nos mata torna-nos mais fortes. Nem que para isso se tenha visto forçado a contrariar outra máxima, a de que nunca devemos voltar a uma casa onde já fomos felizes. Regressou a meio da época ao Académico de Viseu e rapidamente tirou a equipa dos últimos lugares da tabela. «Queria mostrar que não era um flop. Que as pessoas poderiam e deveriam ter confiado em mim.»

Confiança parece ser mesmo umas das palavras-chave desta nova geração. João Daniel Rico, 28 anos, também não perdeu a sua, apesar de estar sem clube e de viver no Alentejo, região há muito tempo afastada dos grandes palcos e sem nenhuma equipa representada nos campeonatos profissionais. Jogou futebol no clube da terra (Moura) até aos 20 anos, é licenciado em Desporto pelo Instituto Politécnico de Beja, realizou um mestrado em Treino de Alto Rendimento em Desportos Coletivos em Barcelona, mas nada disso foi suficiente para manter o cargo de treinador do Piense, equipa da I Divisão distrital da Associação de Futebol de Beja.

NÃO GUARDA MÁGOAS, diz que são coisas do futebol, acredita que o seu momento chegará. «Pensei que se não podia ser o melhor do mundo como jogador iria tentar sê-lo como treinador. Ainda hoje é essa ilusão que me move.» Mais um discurso firme, por defeito batizado de «à Mourinho», tal é a influência direta em quase todos os treinadores desta nova geração, se bem que João esteja agora de costas algo voltadas para o campeão inglês. Admite que este foi fundamental no despertar da sua carreira, quer pelos resultados conquistados quer pelo método de treino, mas hoje aprecia «treinadores que têm uma atitude mais correta, sem excessivos mind games e sem necessidade de criar conflitos para atingir os fins». Diz que é a sua forma de estar na vida e no desporto. Enquanto a oportunidade não chega, vai mantendo a forma como fitness trainer no ginásio do qual é coproprietário.

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Rui Silva quer viver só do futebol.

Depois há casos como o de Rui Silva, 38 anos. Nunca jogou futebol a não ser com os amigos, não tem qualquer formação académica na área de desporto, dá aulas de informática, faz sites, é divulgador cultural na área do Vale do Ave e atual selecionador das camadas jovens da Associação de Futebol de Braga, nas categorias de sub-13, sub-14 e sub-17. Cargo que acumula com as funções de treinador adjunto no GD Ribeirão, equipa do concelho de Vila Nova de Famalicão, da Série B do Campeonato Nacional de Seniores. «Na altura de entrar para a faculdade estava indeciso entre Desporto ou Informática. Inclinava-me mais para Desporto, mas tive um professor que me disse que era uma área muito complicada, quase sem saídas profissionais, e acabei por jogar pelo seguro», diz.

O bichinho ficou lá e assim que teve disponibilidade começou a alimentá-lo. Mesmo que aos olhos de algumas pessoas pudesse parecer crise de identidade. Afinal, porque iria alguém com 30 anos e que nunca jogou à bola tirar um curso de treinador? «Sempre adorei competição e já tinha um curso de Treinador de Andebol, na verdade, modalidade que joguei alguns anos.» Um dia falaram-lhe na possibilidade de orientar uma equipa da formação, trocou as mãos pelos pés e decidiu avançar. Não nega que no início sentiu alguma desvantagem em relação aos seus colegas de curso «quase todos ex-jogadores ou em final de carreira e com uma experiência que eu não tinha». Se bem que esta realidade esteja também a mudar. «Há cada vez mais jogadores, sobretudo semiprofissionais, que não esperam pelo fim e começam a conciliar a carreira com os cursos de Desporto», refere. Para tentar chegar ao mesmo patamar, compensou com muitas horas de leitura e o maior visionamento de jogos possível.

Observar passou mesmo a ser uma suas maiores competências. À medida que tem crescido como treinador principal, sempre na área da formação, vai trabalhando como observador em equipas seniores. E aí a sua área académica tem sido um aliado. «Senti que poderia tirar partido das tecnologias na observação. Ajudou-me muito a evoluir.»

Não diz que quer ser o melhor, o seu objetivo em termos profissionais passa apenas por ser feliz. E ser feliz é viver a 100 por cento do futebol. «Neste momento, e dependendo dos meses, cerca de 50 a 70 por cento do meu rendimento mensal vem do futebol. Já estou perto. Tenho trabalhado muito para isso », conclui.

COMO TIRAR UM CURSO DE TREINADOR?

Ter 18 anos e a escolaridade obrigatória são os requisitos mínimos para tirar o Grau I do Curso de Treinadores. Se bem que na prática estes dois requisitos nem sempre sejam suficientes. Como muitas vezes as vagas são limitadas, a seleção é feita tendo em conta o currículo desportivo. Para saber quando estes se realizam, o melhor é estar atento aos sites das associações de futebol locais, cabendo-lhes organizar os cursos de Grau I e Grau II. O preço normalmente não ultrapassa os mil euros e têm a duração média de um ano e meio, sendo compostos por uma parte mais teórica, uma teórico-prática e uma parte prática com um estágio de uma época desportiva. À medida que os níveis avançam, aumenta o preço, a exigência e os requisitos. O Grau III e o UEFA Pro (nível máximo) são ministrados diretamente pela Federação Portuguesa de Futebol. O UEFA Pro de 2015, que permite ser treinador principal na I Liga e a nível internacional começa hoje, dia 25 de maio, e se prolonga até ao dia 1 de julho. Custa quatro mil euros e terá lugar em Fátima, 360 horas em regime de internato. O Grau III fica por um pouco menos, sensivelmente 3700 euros, e permite ser treinador principal até à II Liga. A duração é de ano e meio.

MESTRES DA TÁTICA
A época de 2014/2015 fica para a história dos treinadores portugueses. Mourinho é o nome mais sonante, mas há outros casos de sucesso.

José Mourinho foi campeão em Inglaterra (Chelsea), André Villas-Boas na Rússia (Zenit de São Petersburgo), Paulo Sousa na Suíça (Basileia), Vítor Pereira na Grécia (Olympiacos). Jesualdo Ferreira, do Zamalek, no Egito, está em condições de se sagrar campeão. Toni disputou o título iraniano atè à última jornada, com o Tractor. E Leonardo Jardim  (do Mónaco) e Nuno Espírito Santo (Valência) realizaram excelentes temporadas nas ligas francesa e espanhola

ORDENADOS (NEM SEMPRE) MILIONÁRIOS

Falar em treinadores de sucesso é quase sempre falar em ordenados milionários. José Mourinho é, segundo a revista France Football, o treinador mais bem pago do mundo, com um ordenado anual a rondar os 18 milhões de euros. André Villas-Boas está também no topo da lista dos dez mais bem pagos do planeta, com 8,4 milhões de euros. Já o salário de Jorge Jesus rondará os quatro milhões de euros. Uma realidade que está, contudo, muito longe da maioria dos treinadores portugueses. Um treinador de topo tem possibilidades de ganhar muito mais dinheiro do que qualquer outro profissional, mas também aqui há muita gente a trabalhar por pouco. A formação é um bom exemplo. Um mau exemplo. Numa área em que se procura encontrar e lapidar os diamantes que mais tarde poderão render milhões, trabalham muitos jovens em início de carreira. Às vezes de graça, outras apenas com ajudas de custo. Rui Silva, selecionador dos sub-13, sub-14 e sub-17 da Associação de Futebol de Braga, prefere não abrir o jogo quanto aos valores que ganha, mas garante que o único sítio em que lhe pagam a horas é na Associação. «Nos clubes ficámos quase sempre como credores de um ou dois meses. No mínimo.» Diz ainda que estes têm de apostar de uma vez por todas na formação, e isso passa também por pagar melhor, até para que esta não seja sempre e apenas uma área só de passagem. «É que é aí que está a pureza do jogo.