O software que mudou a nossa vida

Passaram-se ontem oito anos desde que a Google abriu o Gmail a todos os utilizadores da internet. Uma revolução. Como o Hotmail tinha sido em 1996. E o Skype em 2003. Sem estas e outras recentes inovações tecnológicas, o mundo seria bem diferente.

Microsoft Office
1990
Agosto de 1995. A Microsoft ilumina o Em­pire State Building com as suas cores e cria uma megacampanha de marketing: vai lançar o Windows 95. Com uma interface gráfica fácil de navegar, o sistema opera­tivo revolucionou a computação pessoal. Lá dentro, um pacote que Bill Gates criara cinco anos antes, juntando o processador de textos Word, as fichas de cálculo Excel e a ferramenta de apresentação em slides Powerpoint. O Microsoft Office tornou-se um produto-chave da marca para em­presas e estudantes, que permitia criar do­cumentos de texto, de cálculo e apresen­tações, complementada mais tarde pela edição de fotos e a colaboração via inter­net (OneNote). Até hoje, o Office continua a ser a ferramenta de produtividade mais usada no mundo.

Photoshop
1990
Kim Kardashian e toda a indústria da mo­da devem gratidão aos irmãos John e Tho­mas Knoll, que desenvolveram o progra­ma de manipulação de fotos mais usado do mundo. Cresceram com um fascínio pela fotografia e, nos anos 1980, criaram o soft­ware – inicialmente chamado Display. No início de 1988, nenhuma empresa em Si­licon Valley mostrou interesse no progra­ma, entretanto batizado Photoshop. A não ser a BarneyScan, que lhes comprou 200 cópias para vender em pacote com um scanner. A sorte mudou em setembro des­se ano, durante uma reunião com a equi­pa criativa da Adobe. A empresa adorou o software e licenciou-o. A versão 1.0 foi oficialmente lançada em 1990, e nunca mais pudemos acreditar numa fotografia a cem por cento.

PDF
1990
A Adobe passou a maior parte da sua história a resolver proble­mas. No início dos anos1990, com a internet e o aumento dos utiliza­dores de computadores, a empresa liderada por John War­nock per­cebeu que havia um problema: como é que as pes­soas podiam trocar ficheiros por e-mail, se os sistemas operativos eram di­ferentes e não suportavam docu­mentos dos computadores uns dos outros? A solução foi lançada em 1993 com a tecnologia Portable Document Format (PDF) que permitia converter e ler qual­quer ficheiro. «Não consigo ler esse ficheiro, pode enviar-me em PDF?» passou a ser pergunta fre­quente. Foi uma tecnologia proprietária até julho de 2008, altura em passou a ser um standard aberto. A maior vantagem é esta: qualquer documento convertido em PDF mantém a formatação original. Apa­rece exatamente como apareceria se fos­se impresso. No computador de origem ou no de destino.

AVI
1992
Em abril de 1997, dois executivos da Micro­soft tentaram convencer a Apple a deixar de oferecer software de reprodução multi­média, uma das funcionalidades do Quick­time. Estupefacto, o então vice-presidente da Apple, Avadis Tevanian Jr, lançou a per­gunta: «Vocês estão a pedir-nos para ma­tar a função de playback? Para esfaquear o bebé?». Christopher Phillips, da Micro­soft, respondeu que sim. A conversa mórbi­da, revelada durante o julgamento da Mi­crosoft por práticas anticoncorrenciais, explica porque é que a marca desenvolveu o formato AVI em tempo recorde e o lançou em 1992, pouco tempo depois de surgir o Quick­time. O Audio Video Interleaved foi escrito para armazenar áudio e/ou vídeo e tornou-se um standard, pela compatibilida­de com diversos codificadores (como DivX e XviD) e a possibilidade de ser usado em qualquer plataforma. Foi uma vitória para a Microsoft. Continua a ser o mais utilizado para a partilha de ficheiros de vídeo e não requer hardware ou software específicos pa­ra funcionar.

JPEG
1994
O JPEG não é apenas um stan­dard, é também um comité: a de­signação é o acrónimo do Joint Photographic Experts Group, que trabalhou durante oito anos no desenvolvimento da tecnologia. O novo presidente do comité, Tou­radj Ebrahimi, compara a missão de transmissão de ima­gens do JPEG às pinturas nas ca­vernas – uma inclinação natural do ser humano. Como não havia uma tecnologia para copiar ou trans­mitir imagens eletrónicas, no fi­nal dos anos 1980, a missão do comité era inventar uma que redu­zisse o tamanho e permitis­se a partilha digital. E conseguiu. O JPEG, lançado em 1994, usa um al­goritmo de compressão que destrói parte do conteúdo da imagem, mas de forma imper­cetível. Toda a riqueza de imagens a que nos habituámos na era da internet deve-se a este formato, que continua a ser o mais utilizado.

Internet Explorer
1995
O Internet Explorer não foi o primeiro na­vegador de internet nem o melhor. Foi lan­çado em 1995, quando o Netscape era a op­ção mais popular (70 por cento, diziam eles). Meses depois de lançar o Windows 95, a Microsoft adicionou o navegador na versão Windows 95 Plus. Foi o princípio do seu rei­nado: como não era opcional, e o Windo­ws dominava o mercado, o Internet Explo­rer tornou-se o standard da navegação na net (o que acabaria por levar a um processo con­tra a Microsoft na Comissão Europeia). En­tre 2002 e 2003, o Internet Explorer atingiu o pico, com 95 por cento de quota – isto ape­sar de ser muitas vezes associado a bugs, insegurança e instabilidade. Acabou por per­der a liderança para o Google Chrome e está só um pouco acima do Firefox. Portanto, não é surpresa que a Microsoft esteja a conside­rar acabar com ele e lançar um novo, o Spartan. Mas o legado permanecerá.

MP3
1995-1998
No Consumer Electronics Show 2015, em Las Vegas, um painel de especialistas la­mentou a popularidade do MP3. «Foi a pior coisa que aconteceu à música», disse Jeffrey Smith, CEO da Smule, uma plataforma de apps musicais. Porquê? A péssima qualidade. O MP3 tem menor qualidade de áudio do que o CD, que é precisamente a razão pela qual se tornou tão popular e permitiu a massifi­cação da música digital. Está comprimido e ocupa menos espaço, o que era essencial nos primeiros leitores de MP3. O Rio 100, lança­do pela Diamond Multimedia em 1998, foi o primeiro leitor a reproduzir MP3 e tinha 32 Mb de capacidade. O equivalente a dez músicas de três minutos cada uma. Por ser mais «leve», o formato era mais adequado aos downloads na internet, o que o tornou um stan­dard rapidamente. Mas a sua criação demo­rou mais de vinte anos: começou a ser desen­volvido quando ainda toda a gente comprava discos de vinil, nos anos 1970. Os investigado­res alemães responsáveis chegaram ao for­mato em 1991 e batizaram-no em 1995.

Hotmail
1996
Antes do Gmail, houve o e-mail original das massas. Lançado em 1996, os seus autores são Sabeer Bhatia e Jack Smith. A piada do nome era ser escrito «HoTMaiL», com as maiúsculas a  enfatizar as iniciais de HTML (a linguagem standard que permitiu a cria­ção de páginas na web). Na altura, oferecia 2 Mb de armazenamento e filtros de spam, um luxo para os primórdios da web.  Em ano e meio, conseguiu nove milhões de utilizadores e chamou a atenção da Microsoft, que pagou 400 milhões de dólares pelo serviço em 1997. A gigante deu-lhe várias outras funcionalidades, como a integração de um ca­lendário, e o domínio do Windows ajudou ao crescimento exponencial – em 2001 já tinha cem milhões de utilizadores. Foi o grande responsável pela disseminação do e-mail co­mo ferramenta de comunicação. Em 2012, quando foi substituído pelo Outlook.com, ti­nha 360 milhões de utilizadores.

Flash
1996
Steve Jobs, o visionário por detrás do suces­so da Apple, escreveu em abril de 2010 uma carta-aberta a explicar porque é que os iPho­nes, iPads e iPods não tinham e nunca te­riam suporte para a tecnologia Flash: por­que tinha sido escrita para a era dos PC, por­que não era aberta como o HTML5, CSS e JavaScript, e porque o Flash tinha um dos piores registos de segurança no ano ante­rior – era fácil explorá-lo. Este desamor da Apple não fez justiça ao enorme contributo do Flash para a internet moderna. Lançado em novembro de 1996, o Macromedia Flash foi inspirado nas peças de Lego. O seu cria­dor, Jonathan Gay, queria pôr animações e desenhos gráficos na internet, e foi isso que o Flash fez pela web: permitiu criar o ambien­te visualmente rico a que nos habituámos – e que faz que certos sites simplesmente não sejam visualizados em smartphones.

Messenger
1999
Apareceu em 1999, quando os americanos já usavam o AOL Messenger, e era compa­tível com este serviço. O Messenger foi pa­ra a geração dos anos 1990 o mesmo que o Facebook é para os miúdos do milénio: o sí­tio onde se deixava uma mensagem de es­tado misteriosa, onde se começavam relações, onde se trocavam confidências, onde se faziam novos amigos, onde se acabavam relações. Era uma espécie de rede social – bloquear alguém era o expoente máxi­mo do drama no novo mundo das relações digitais. Foi aqui que se popularizaram os emoticons, aqueles bonecos usados para ex­pressar emoções, e foi por aqui que muitos computadores apanharam vírus. No seu pi­co, por volta de 2009, havia mais de 330 milhões de utilizadores no Live Messenger. Mas o Facebook introduziu a funcionalida­de de chat e rapidamente milhões de pes­soas transitaram para as mensagens da re­de social. Em 2012, a Microsoft anunciou que ia descontinuar o Messenger.

GPS
2000
Depois de uma tentativa de impugnação no Senado norte-americano, em 1999, Bill Clinton tomou uma decisão que mudou pa­ra sempre a vida dos desorientados e salvou muitas relações de acabarem em viagens de carro. O então presidente norte-americano aprovou legislação ordenando ao exército que deixasse de interferir com os sinais dos satélites usados para os GPS civis. É que até 2000 o exército interferia com os sinais pa­ra garantir que apenas a sua versão funcio­nava com precisão total. O sistema GPS ti­nha sido criado pelo Departamento de De­fesa dos Estados Unidos, ainda nos anos 1940. Em 1983, a rede Navstar foi aberta ao uso civil e em 1985 apareceu aquele que é considerado o primeiro sistema de navega­ção para automóvel com alguma expres­são, o Etak (ainda funcionava com casse­tes). Só a partir da decisão de Clinton foi possível ter a precisão e o rigor que criou este novo mercado:  nave­gadores para os carros, aplicações como o Google Maps e um sem-número de programas que usam geolocalização. E os mapas em papel entraram em declínio.

iTunes
2001-2003
Em 1981, Steve Jobs assinou um acordo com a editora dos Beatles a comprometer-se a nunca entrar no negócio da música. Havia um li­tígio por causa dos nomes: Apple Computer e Apple Records. Vin­te e dois anos depois, o visionário quebrou o acordo ao lançar uma loja online onde qualquer pessoa podia comprar canções avulso por 99 cêntimos. Uma coisa nun­ca vista na indústria, que estava a ser saqueada por sites de partilha ilegal como o Napster. A loja iTunes, dentro do progra­ma criado em 2001 para gerir as músicas no leitor iPod, foi uma revolução na distribui­ção legal de música digital, que basicamen­te não existia. A Apple vendeu centenas de milhões de iPods e provou que era possível combater os downloads ilegais, apesar das críticas à interface de utilização do iTunes e das comissões. As vendas digitais cresce­ram sempre até 2014, ano em que derrapa­ram pela primeira vez desde o lançamen­to do iTunes. O motivo? Serviços de strea­ming de música, para onde o próprio iTunes caminha.

Skype
2003
Em 2007, quatro anos depois do lançamen­to do programa, desenvolvido por suecos e estónios, o fundador do Skype, Niklas Zennström, disse que a entrada nos telemó­veis não era uma ameaça às operadoras: era um complemento. Tinha razão, mas tudo aquilo era um mundo novo. Falar ao telefo­ne de graça? De repente, as operadoras de te­lecomunicações viam um serviço de voz so­bre IP (VoIP) a poder substituir a rede GSM para chamadas de voz, ameaçando-as. Mais tarde, em 2011, a Microsoft comprou-o por 8,5 mil milhões de dólares. O Facebook e a Google também estavam interessados. Por­quê? Este software revolucionou as chama­das telefónicas via internet. Tornou-se si­nónimo de videochamadas gratuitas, um standard para ligações à distância que nem o FaceTime da Apple conseguiu des­tronar. Hoje tem mais de 300 mi­lhões de utilizadores.

Gmail
2007
Antes de ser lançado, o seu nome de código era Caribou, uma referência aos cartoons satíricos Dilbert, de Scott Addams. Uma piada bem ao estilo dos fundadores da Goo­gle, Larry Paige e Sergey Brin, que decidiram lançar o produto no Dia das Mentiras de 2004. Pare­cia mesmo piada: o Gmail oferecia um gigabite de armazenamento gratuito, coisa nunca antes vis­ta num mercado dominado pelo Hotmail e o Yahoo Mail, que da­vam entre 2Mb e 4Mb (500-250 vezes menos). Era um clube restri­to, acessível apenas por convite du­rante os três anos seguintes. Só a 7 de feve­reiro de 2007 foi aberto ao mundo. Tornou-se o e-mail gratuito via web mais popular do mundo, com 425 milhões de utilizadores e a oferta de 15 gigas de armazenamento. Re­volucionou o espaço gratuito, reinventou a pesquisa na caixa de correio e integrou um sistema de mensagens instantâneas.

iCloud
2011
A Apple foi das últimas a chegar à festa da «nuvem», e talvez por isso mesmo teve enorme impacto. No verão de 2011, quan­do Steve Jobs fez a última grande apresen­tação em vida, o serviço iCloud deu início a uma nova era no armazenamento e sincro­nização virtuais.  Há anos que a Amazon re­volucionara os serviços remotos através de cloud; já existia Dropbox, SkyDrive da Mi­crosoft e Google Docs. Mas a entrada da Apple (que na verdade já tinha o Mobile­Me, embora pago) tornou a «nuvem» um con­ceito familiar entre os consumidores. Ao permitir uma sincronização suave e auto­mática de conteúdos entre todos os apare­lhos Apple e acesso a documentos, e-mail, música, fotografias e contactos a partir de uma plataforma web central, o iCloud levou o jogo para a frente. No ano passado, quan­do centenas de celebridades viram as suas contas invadidas e as fotografias pessoais publicadas na web, regressou a discussão sobre quão seguro é ter tudo acessível na cloud. Mas uma coisa é certa: agora que es­tamos lá pendurados, não há volta atrás.

JÁ NÃO PASSAMOS SEM ESTES SITES

No final dos anos 1990, dizia-se que uma empresa que chega­va primeiro a um novo segmen­to «amazonava o mercado». Era uma referência ao extraordiná­rio caminho da Amazon, lança­da em 1994, que garantiu um lugar dominante que mantém até hoje – é a maior retalhista on­line dos EUA. A eBay conquistou uma posição semelhante com os leilões eletrónicos, que lan­çou em 1995. Seis anos depois, outra novidade abriu as portas a uma nova era no conhecimento partilhado: a Wikipedia. O projeto, lançado em 2001 por Jim Wales e Larry Sanger, tem hoje 34 milhões de entradas em 288 línguas e é um substituto efeti­vo das enciclopédias tradicio­nais (com as devidas ressalvas à credibilidade da informação, mas a verdade é que, em 2012, a Encyclopaedia Britannica dei­xou de ser impressa). O Face­book também terá contribuído para isto. A rede social, criada em 2003, tornou-se uma plata­forma essencial de partilha, a partir da qual muitos utilizado­res têm o primeiro contacto com notícias, produtos e tendências. Nunca houve, na história, tan­ta gente conetada: 1,3 mil mi­lhões de pessoas. Se fosse um país, era o terceiro mais popu­loso do mundo, depois da China e da Índia. E a intenção do CEO, Mark Zuckerberg, é chegar aos restantes seis mil milhões. Mas nenhum site tem números tão impressionantes quanto o YouTube. Criada a 15 de feverei­ro de 2005, a plataforma de par­tilha de vídeos foi comprada pela Google no ano seguinte e fez um estrondo no mercado. Tem mil milhões de utilizadores únicos por mês, que veem seis mil mi­lhões de horas de vídeos. A cada minuto que passa, cem horas de vídeos são carregadas no site.