O prazer de não fazer nada

Escute e olhe, espere e boceje, adie e espreguice-se, durma a sesta e tome um banho. Não faça nada. Enquanto não faz nada, está a relaxar, a melhorar o humor e a estimular a criatividade.

Nestes tempos modernos de multitaskting, o desafio passou a ser saber abrandar, relaxar, não stressar, descontrair, usufruir. Trocar o «fazer» pelo «estar». Saber não fazer nada. Mais: transformar o nada numa coisa em si mesma. Os italianos são os mestres desta arte, ou não fosse deles a expressão dolce far niente, que é como quem diz «a doçura de não fazer nada», utilizada para definir os momentos nos quais não nos dedicamos a nenhuma atividade produtiva e desfrutamos disso com prazer e sem culpa. Mas isso é muito mais difícil do que pode parecer à primeira vista. Falta-nos o tempo, é certo, mas falta-nos sobretudo o hábito e o saber como fazê-lo.

No Brasil, também foi criado um movimento a favor de não fazer nada, chamaram- lhe nadismo e o designer Marcelo Bohrer, criador do movimento, é purista na aceção do conceito: para ele, nada é mesmo nada. Esta é pelo menos a ideia que defende no seu manifesto pelo nada, com que lançou o Clube de Nadismo, em 2006. Com mais de quatro mil seguidores no Facebook, o movimento convoca eventos em parques e jardins das cidades onde os participantes se juntam para não fazer nada durante alguns minutos. Pode parecer uma ideia estranha ou mesmo ridícula para muita gente, mas o que Bohrer propõe é, na verdade, uma transformação cultural que não é fácil: a ideia de que não fazer nada não é um desperdício de tempo, mas antes uma forma de o aproveitar.

Claro que, na maior parte das aceções do conceito, este «não fazer nada» não é literal (até porque, em boa verdade, isso é-nos impossível). «Fazer nada» é antes não nos dedicarmos a nada útil, importante, urgente, que tem uma finalidade. Trata-se não de fazer coisas que temos de fazer ou que são necessárias, mas de fazer coisas que nos apetece fazer, que nos fazem abrandar, passar a um estado de menos ação e mais contemplação.

E se não é muito surpreendente que daqui surjam alguns benefícios para o nosso estado de espírito, como diminuir os níveis de stress e aumentar os índices de felicidade e bem-estar, há outra vantagem menos conhecida, se bem que igualmente estudada desta prática: o aumento da produtividade e da criatividade.

A gigante General Electric, que se mantém economicamente no topo há décadas e é uma presença constante na lista da Fortune e da Forbes Global, tomou neste verão a seguinte resolução: os trabalhadores, contanto que tenham o seu trabalho em dia e avisem o superior hierárquico, podem tirar férias e dias de folga sempre que queiram. É isso mesmo, não há limite de férias – e sim, são pagas. E também não é há toa que no Huffington Post há salas de sestas, que o CEO do LinkedIn marca diariamente na agenda pelo menos 30 minutos de «nada» ou que na Google há massagens, salas de jogos e pranchas de surf disponíveis.

As empresas de sucesso esforçam-se por proporcionar aos trabalhadores momentos longe do trabalho. Porquê? Porque resulta. Sem descanso, sem lazer, sem pausas e sem tempo para parar, a produtividade e a criatividade caem a pique. Dizem os estudos científicos e diz-nos o senso comum. Mais, a história está cheia de exemplos nos quais para fazer coisas em grande foi preciso tempo para não fazer nada: Newton estava a tomar chá com um amigo quando viu a maçã cair ao chão, Fleming descobriu a penicilina porque foi de férias e deixou no laboratório as placas de petri com os micro-organismos em que trabalhava e Arquimedes formulou o princípio com o seu nome quando estava a tomar banho…

COMO COMEÇAR A NÃO FAZER NADA

» Caminhe sem destino certo
Saia de casa com roupa e calçado confortável e comece a andar bem devagar e sem rumo certo. Vá onde as decisões do momento, durante o passeio, o levarem, pare para reparar no que lhe interessar, sente-se aqui ou ali sempre que lhe apetecer ou meta conversa com quem passa. Há, de resto, uma palavra que descreve este ato de passear sem pressa e sem destino: flanar. Muito usada pelos poetas franceses do século XIX, como Balzac, é empregue quando se deambula sem um propósito definido, por ócio, pela distração que o passeio proporciona.

» Sonhe acordado
Há quanto tempo não sonha acordado, não se permite imaginar cenários ou situações que gostava que acontecessem? Imaginar o mundo como gostaria que ele fosse, esquecendo-se um pouco de como ele é, não tem necessariamente de criar expetativas desfasadas da realidade. Pelo contrário, este exercício de, por momentos, se transportar para onde quiser e ser o que lhe apetecer pode ser um escape mental com efeitos muito positivos no humor a curto prazo.

» Contemple
Vá até um parque, à praia, à esplanada ou outro sítio que ache bonito e relaxante e deixe-se ficar a admirar a paisagem, a ver quem passa, a escutar os pássaros, a olhar para as nuvens. Detenha-se a observar o que o rodeia, a olhar tudo com tempo e com atenção. Repare nos pormenores das coisas ou pessoas à sua volta e a reflita um pouco sobre eles.

» Recupere o prazer de um banho de imersão
Encha a banheira com água e espuma e enfie- -se dentro dela. Sinta a água, a espuma, a temperatura da água, o cheio dos sais de banho. Se quiser levar a experiência a outro nível, opte por alguma privação sensorial: faça-o de luzes apagadas e auriculares nos ouvidos, criando assim uma sensação de relaxamento e afastamento do mundo bem maior.

» Durma uma sesta
Há quem não passe sem ela e por boas razões: «passar pelas brasas» durante 20 ou 30 minutos pode ser remédio santo para recuperar o ânimo, potenciar a capacidade de concentração e aprendizagem, aumentar a sensação de felicidade e melhorar a memória. Imaginando que o seu escritório ainda não aderiu às salas de sesta, não se atrapalhe: passe por casa, vá até ao carro ou, em última análise, quando o tempo o permitir, estenda uma toalha na relva de um jardim sossegado.

» Sente-se e pare
Desligue o computador, a televisão e o telemóvel. Sente-se ou deite- -se confortavelmente no sofá e deixe-se ficar sossegado por uns minutos. Respire pausadamente. (Sim, é apenas isto.)