Há quem os use para filmes, fotografia ou só em brincadeiras, mas também há quem os procure como ferramentas de controlo de multidões, na vigilância de fronteiras ou na medição de campos agrícolas. Os drones vieram para ficar e muitos dizem que ainda mal começaram a ser aproveitados. E se um drone lhe entregar uma piza?
Na Greenpeace, no verão de 1998, o alvo estava bem definido. Seascale, povoação ao norte do País de Gales, estava a ser contaminada pelas radiações de uma central de processamento de resíduos nucleares e era necessário prová-lo. O problema não estava em encontrar radiação, mas sim em identificar, à prova de qualquer dúvida, a sua origem. Na central de La Hague, naturalmente que não encontraram facilidades – entrada vedada e a proibição total de a sobrevoar de forma a apurar a pureza do ar. A solução acabaria por surgir de uma brincadeira: papagaios de papel. Livres de legislação, a serem comandados de fora da área restrita, devidamente equipados com uma máquina fotográfica e um aparelho de medição de radiações, os dois papagaios entrariam na história da Greenpeace. Não só cumpriram na perfeição o propósito como ainda permaneceram no ar durante quatro meses. Afinal, até para derrubar um brinquedo de criança é preciso um argumento legal. Hoje tudo seria mais fácil: bastaria um drone de 150 euros equipado com uma câmara GoPro e alguma mestria na pilotagem.
A ideia de utilizar aparelhos voadores não tripulados não é original da Greenpeace. Durante a Primeira Guerra Mundial tornou-se prática comum entre trincheiras a utilização de pequenos papagaios equipados com rudimentares esquemas de espelhos para conseguir controlar as imediações sem arriscar pôr o pescoço acima, ou abaixo, do nível do solo. Recentemente, foi a utilização militar norte-americana de aparelhos voadores não tripulados que lhes deu má fama. E os números não ajudam. Se o primeiro ataque por um avião não tripulado foi registado no final de 2001, supostamente a partir de uma base militar no Paquistão, desde então os números não param de aumentar e a eficácia raramente é a revelada pelo Pentágono. Com pouca informação disponível, em fevereiro do ano passado o senador republicano Lindsey Graham apresentou o que foi visto como a primeira contagem oficial de vítimas: 4700 entre os ataques no Afeganistão, Paquistão, Iraque, Iémen e Somália. Mais recentemente, foi o grupo de direitos humanos britânico Reprive a fazer a contabilidade: só entre o Iémen e o Paquistão, entre 2002 e novembro deste ano, com 41 alvos em vista, os drones norte-americanos fizeram 1147 vítimas.
No entanto, não foi pelos motivos bélicos que os drones se tornaram uma moda global. Há quem os use para filmes, amadores ou profissionais, para fazer entregas, de compras ou medicamentos, e quem os queira usar para garantir acesso à internet, via wi-fi, por todo o mundo. Em Portugal, há quem os esteja a desenvolver para todo o mundo e a trabalhar com as forças de segurança para afinar as suas funcionalidades. E numa coisa mantêm uma semelhança com os velhos papagaios de papel: ainda não há legislação a regulamentar o seu uso.
Nos Estados Unidos, os últimos estudos apontam para uma indústria capaz de gerar 66 mil milhões de euros nos primeiros dez anos e com capacidade, segundo a Association for Unmanned Vehicle Systems International, para empregar mais de cem mil pessoas. Depois da revolução Go Pro, empresa hoje avaliada em cerca de 2500 mil milhões de euros, chegou uma nova moda e nesta nem o céu é o limite. Controlo de multidões, apoio médico, ferramenta para televisão e cinema ou simplesmente um brinquedo perfeito para as filmagens de família. Nos últimos anos, os drones passaram do noticiário da CNN para a secção de negócios e até há quem garanta que o fenómeno ainda nem aterrou.
«Está no início. Há muita abertura no meio militar, na segurança, mas cada vez mais também no mercado civil», diz Ricardo Mendes (na foto), fundador e administrador da da Tekever, empresa nacional que desde 2007 se dedica aos Aviões não Tripulados (ANT). A empresa criada em 2001 por ex-alunos do Instituto Superior Técnico está atualmente a preparar tecnologia para microssatélites e já tem escritórios no Reino Unido, Brasil, Estados Unidos e China, tendo oitenta por cento do volume de negócios no mercado internacional e mais de trinta milhões de euros em projetos aprovados por instituições europeias – da Comissão à Agência Espacial ou à Agência de Defesa Europeia.
Há muito tempo que as forças de segurança se tornaram parceiras de negócio na Tekever. Com colaborações estabelecidas para o desenvolvimento de drones com exército e forças de segurança nacionais, também aqui a empresa já alargou o raio de ação ao estrangeiro. Além da Marinha brasileira e do Ministério da Defesa britânico, há drones fabricados em Óbidos ao serviço da NATO no Kosovo e na Colômbia a ajudar as forças de combate ao narcotráfico. Por cá, a Polícia de Segurança Pública já recorreu ao seus aviões não tripulados para patrulhar Lisboa durante a última final da Liga dos Campeões, em maio, e no próximo verão será a vez de a Guarda Nacional Republicana utilizar oito drones manobrados por militares para patrulhar o Parque Nacional Peneda Gerês. «No caso da GNR, o foco é no controlo de fogos florestais, caça furtiva e missões de busca e salvamento de pessoas», diz o administrador, hoje já com o negócio orientado para África e Ásia.
A Tekever não constrói drones com capacidade bélica, mas sobre a polémica utilização militar Ricardo Mendes lembra o grande argumento a favor da tecnologia – «Tiraram os pilotos de zonas de perigo» – e recorda que não é dos algoritmos a responsabilidade do « O piloto está em terra a comandar para onde vai o drone. A diferença é o que faz a milhares de quilómetros de distância.»
Portugal está longe de ser o único país em que autoridades e empresas tecnológicas trabalham lado a lado em busca do drone perfeito. Na Índia, a história começou em 2003, quando três estudantes do Instituto de Tecnologia de Bombay decidiram reaproveitar bicicletas abandonadas para construir um hovercraft. Cumprido o desafio e fundada a ideaForge, seguiram para a construção de um objeto voador, identificável mas não tripulado, e que teria nos seus quatro rotores a principal caraterística. Passados quase dez anos, os Netra, como foram batizados os drones, entraram oficialmente para a lista de equipamento das forças de segurança indianas que, depois de comprarem setenta unidades, os utilizam no controlo das multidões em diversas celebrações religiosas.
Mas o mundo dos drones já não está confinado a equipamento de milhares de euros. O negócio que gera milhões inclui também drones à venda em lojas de brinquedos a partir de cem euros. Na Toys ‘r’ Us, por exemplo, é possível comprar um Drone Space Comet por menos de noventa euros. As possibilidades são muita [ver caixa]. Do entretenimento (captação de imagens para cinema, televisão ou publicidade) às medições de obras de engenharia ou agricultura de precisão, por exemplo, passando por entrega de medicamentos ou mesmo de pizas. Já causaram incidentes diplomáticos em jogos de futebol – como aconteceu em outubro, na partida de apuramento para o Euro 2016, entre a Sérvia e a Albânia, mas também já participaram em operações de busca e salvamento, nomeadamente no mês passado nos Picos da Europa, nas Astúrias, nas tentativas de resgate do montanhista português João Martinho. Uma revolução que, desde os primeiros passos em San Diego à entrada do século, ainda não parou de fazer novos milionários.
Jordi Munoz é um deles. Em 2007, com apenas 19 anos, trocou Tijuana, no México, por Riverside, na Califórnia. Fê-lo com duas paixões – uma, pela namorada com quem tinha casamento marcado, a outra, pelo aeromodelismo, que haveria de lhe mudar a vida. Apenas com os sensores de movimento de uma consola Nintendo Wii, um computador e um GPS, Munoz improvisou o que seria um dos primeiros drones – um objeto voador que, sem piloto, podia cumprir trajetos previamente programados. Num fórum virtual, haveria de despertar a curiosidade de Chris Anderson, então editor na revista Wired, que lhe daria os primeiros quinhentos dólares para a produção da máquina e com quem, dois anos depois, abriria a 3dRobotics. Nessa altura, um dos primeiros projetos foi um pequeno objeto voador construído com base numa simples tostadeira. Hoje são mais duzentos funcionários, uma fábrica de vinte mil metros quadrados em Tijuana e uma faturação anual que em 2015 deverá atingir os 32 milhões de euros. E as previsões continuam a apontar para o crescimento do mercado.
Chance Roth, um dos gurus do setor, CEO da AirDroids, a empresa que no final do ano passado vestiu e fez voar a cantora Lady Gaga no lançamento do seu último disco em Brooklin, Nova Iorque, continua otimista. O gestor defendeu, num artigo publicado na revista Business Week, que dentro de cinco anos existirão modelos capazes de responder aos comandos da voz, passear o cão ou controlar as brincadeiras de crianças. Depois, prevê, virá o tempo em que os drones poderão ser utilizados para arranjar outros objetos voadores, transportar carga e mesmo passageiros humanos. Um caminho para o qual se prepara para continuar a contribuir, ou não estivesse a desenvolver modelos capazes de aprender a identificar e a contornar obstáculos que se intrometam entre rotas.
Andreas Raptopoulos também previu outras utilizações para os drones. A trabalhar com os Médicos sem Fronteiras, o designer, inventor e empreendedor teve, há três anos, uma boa ideia. Como há milhões de pessoas em todo o mundo que precisam de apoio em zonas de difícil acesso, Raptopoulos criou a Matternet, que no passado mês de setembro, na Papua-Nova Guiné, superou o primeiro grande teste – ao longo das duas semanas, os drones da empresa competiram com os jipes dos Médicos sem Fronteiras na entrega de medicamentos contra a tuberculose. E venceram.
Mas há mais quem esteja atento. No início do ano, com a Titan Aerospace em jogo, foram gigantes tecnológicos a agitar o mundo dos aparelhos voadores não tripulados. Se entre computadores, tablets e telemóveis pouco se poderá transportar pelo ar, o que fez a Titan, especialista na construção de drones alimentados a energia solar e capazes de voar a grandes altitudes? Mark Zuckerberg, o senhor Facebook, foi o primeiro a lançar-se na corrida e tornou público o objetivo – dar mais um passo para conseguir que todo o planeta esteja coberto por sinal de internet. Acabaria por ser derrotado pela Google – que comprou a empresa por um montante não divulgado – e por seguir para a aquisição da Ascenta, outra construtora de aviões não tripulados. Também a Amazon, a maior cadeia de comércio online do mundo, foi notícia pelo seu interesse nos drones. Primeiro, o mundo sorriu com as notícias dos testes de entrega através de drones. Demasiado futurista? Na Amazon acredita-se que não e no passado mês, sem grande alarido, abriram as primeiras vagas de emprego para formar uma equipa de pilotos de drones.
Procurados por militares, forças de segurança, corpos médicos, multinacionais ou simples curiosos, nos últimos anos os drones passaram de arma de guerra a ferramenta, brinquedo de entusiastas do aeromodelismo ou aspirantes a realizadores. E se o interesse é global, a China tem de estar em jogo. Do país da Grande Muralha, as últimas notícias já anunciam um novo mecanismo de defesa, revelado sem grandes pormenores pela agência de notícias nacional: um canhão laser capaz de abater, em apenas cinco segundos, pequenos drones a cerca dois quilómetros de distância. Um sinal de que os drones são assunto sério, mesmo no país que produz o modelo civil mais popular do mundo, o Phantom da SZ DJI Technology (que a revista Time considerou um dos gadgets do ano de 2014). Portugal não foge à moda. Na HP Modelismo, na zona de Alvalade, Lisboa, todos os dias se vende um drone, em média, e o modelo chinês é o mais procurado pelos clientes, garante Gonçalo Costa (na foto) atrás do balcão da loja onde se vende «tudo o que tem comando, sejam carros, barcos, aviões, submarinos ou helicópteros».
Com preços a variar entre os 430 e 1159 euros, dependendo do equipamento, da inclusão ou não de câmara e da possibilidade de seguir em tempo real as imagens captadas, o Phantom tornou-se o best-seller. Sinais de uma moda com cerca de ano e meio. No entanto, mesmo no ar há obstáculos e na HP Modelismo até há um curso dividido em dois módulos: o primeiro de montagem e configuração do drone, o segundo com teste de voo e apresentação de todas as capacidades do aparelho. Uma formação curta, mas destinada a evitar a maior causa de problemas entre aspirantes a aviadores em terra: «O desconhecimento das pessoas que os compram e depois nem leem o manual», diz Gonçalo Costa, ciente de um desafio que se avizinha para todos os proprietários de drones – a lei.
Se a Espanha e os Estados Unidos começam a dar os primeiros passos na legislação específica para aparelhos voa-dores não tripulados (e em Londres, por exemplo, não é permitido que os drones voem abaixo da linha dos prédios), por cá ainda não há leis sobre onde podem voar, quem pode pilotar ou sobre o que é permitido filmar. No passado mês de junho, em audiência na Assembleia da República, a Comissão Nacional de Proteção de Dados sugeriu que fosse desenvolvida uma moldura legal para o tema, mas até ao momento ainda não há grandes de avanços na matéria, além da notícia de que até ao final do ano o Instituto Nacional de Aviação Civil deverá entregar ao governo o projeto de lei para regulação do uso de drones com menos de 150 quilos. «A legislação ainda é um buraco negro. Não sei quando ou se será preciso cair algum para decidirem quem e onde se podem usar», diz o realizador Filipe Araújo, adepto da ferramenta de trabalho que muitos usam como brinquedo. «Usei um para um trabalho específico sobre uma obra arquitetónica, a Adega Maior, da Delta, em Campomaior, desenhada por Siza Vieira.
Filmei pelo ar, por fora e por dentro da adega, o que sem este tipo de equipamento seria impossível.» Para as filmagens foram necessárias duas pessoas (uma na câmara e outra para pilotar) e um cuidado redobrado com novas condicionantes: «O tempo ou o vento, que tem de estar abaixo de um determinado número de nós.» Mas o resultado agradou. Os perigos também foram identificados. «Os resultados podem ser deslumbrantes mas também perigosos. Há o risco de, como quando nos apaixonamos por um brinquedo novo, o querer usar sempre. A grande novidade é que conseguimos um novo ponto de vista de uma forma mais simples e descomplicada. Mas o equipamento deve servir a narrativa. As filmagens aéreas estão a virar moda e podem contaminar o imaginário de quem vê.»
Se Filipe Araújo teve de alugar o equipamento capaz de carregar máquinas de filmar profissionais, há quem aproveite os modelos mais rudimentares para ganhar clientes. Diogo Soutelo, realizador de filmes de surf, bodyboard, casamentos e eventos sociais, aderiu à moda. Comprou um Phantom capaz de suportar uma pequena câmara GoPro e um estabilizador de imagem e notou a diferença. «Para muitos casamentos e eventos chamam-me porque tenho um drone. É uma visão completamente diferente da que vemos no dia-a-dia. Eu não o faço, mas há quem cobre mais quando o trabalho envolve o drone.» Ainda assim, o começo não foi fácil. «Um dos primeiros desafios é mesmo saber gerir a bateria, que só dura uns quinze minutos e vale uns sustos. Fiz uma filmagem na zona de Belém, andava com o drone muito longe da margem e ia ficando no rio…»
Se no cinema os drones parecem ter chegado para ficar – em novembro foi o cinema pornográfico que conheceu o seu primeiro filme aéreo, Dronebonning – ainda está por perceber até onde a tecnologia poderá levar os aparelhos que voam sem piloto. Nos Estados Unidos, mesmo com os ensaios da Amazon, a Federal Aviation Administration diz que só a partir do próximo ano os voos comerciais serão legais e que só poderão ser feitos por equipamentos com menos de 25 quilos. Mas ninguém acredita que a revolução abrande. Se podem carregar bombas, equipamento médico e câmaras de filmar mais ou menos potentes, o que não podem carregar os pequenos, ou maiores, aviões tripulados? Por enquanto, ninguém saber onde está o limite ou como regular um eventual enxame de máquinas de filmar voadoras.
MIL UTILIZAÇÕES – O FUTURO JÁ CHEGOU
» Patrulhamento de fronteiras. No Sul dos Estados Unidos, as patrulhas de controlo de fronteiras recorrem a drones para identificar imigrantes ilegais.
» Entregas. A Amazon está à procura de pilotos e mesmo a cadeia de pizas norte-americana Domino’s já os usou em entregas.
» Militar. Com formato de avião e capazes de voar grandes distâncias, são utilizados pelas forças armadas de vários países.
» Filmagens. Filmes profissionais, amadores, pornográficos ou desportivos. As imagens captadas por drones multiplicaram-se nos últimos anos.
» Agricultura. Para controlar plantações, para cultivo de grandes áreas e para medições de terrenos, os drones também já chegaram ao campo.
» Wi-Fi. O sonho de Mark Zuckerberg: todo o planeta com internet. A forma de o realizar? Comprando uma empresa que construa drones alimentados a energia solar.
» Controlo de incêndios. No próximo verão, oito drones patrulharão o Parque Nacional da Peneda Gerês para detetar incêndios.
» Arqueologia. Chegar a locais de difícil acesso ou garantir uma visão geral de um local em estudo passou a ser possível para os arqueólogos.
» Mensagens. No Japão, o fabricante de brinquedos Kyosho criou um drone capaz de escrever mensagens no céu, através de luzes de néon.
» Proteção da vida animal. No Quénia, a OL Pejeta Conservacy recorre a drones para controlar a vida selvagem e identificar caçadores furtivos.
» Controlo de multidões. Em Portugal, na Liga dos Campeões, na Índia ou nos Estados Unidos, os drones são utilizados pelas forças de segurança no controlo de multidões.
» Álbum de família. Com os preços a descer, os drones são cada vez mais uma opção para as fotografias das férias em família.
HÉLICES OU ASAS?
Há dois modelos principais de drones: com quatro hélices, os quadcopters e os de asa fixa. Os pequenos aviões ganham em autonomia e capacidade de voo mas perdem no preço e na facilidade com que são pilotados. Os quadcopters só têm bateria para vinte minutos, voam mais baixo, não aguentam ventos superiores a 20 nós e têm de ser operados de mais perto, mas vencem na corrida da popularidade.