No fundo, receber ordens é o mais fácil. Pensar nelas é que custa mais.

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«PENSASTE NO JANTAR?» Não sei como é com vocês, não sei como se passa nas vossas vidas, mas em minha casa, esta é uma das perguntas ouvidas com mais frequência. Normalmente é atirada pela minha mulher, mas, contrariamente ao que o fator repeti­ção poderia levar a crer, raramente é usada como iro­nia e muito poucas vezes serviu para provar um pon­to de vista. É, tanto quanto sei, uma dúvida legítima que ela tem amiúde. Ela quer mesmo saber se eu pen­sei no jantar. Se fui ao frigorífico ver o que há, se pas­sei pela despensa para confirmar o que temos, se abri os tupperwares com restos do dia anterior.

E, É VERDADE, na maior parte dos casos não pensei no jantar. Não me preocupei em ver com antecedên­cia o que temos e, perante isto, o que podemos improvisar. A coisa não é grave nem viria daí mal ao mundo, mas quando há crianças pequenas – e naquela casa há duas – ter de desenrrascar um jantar à última hora em vez de enfiar alguma coisa no micro-ondas pode ser a diferença entre um fim de dia tranquilo ou uma noi­te dos infernos. É que todos os grãos na engrenagem da logística a partir das sete da tarde, com banhos, re­feições, brincadeira, birras, pijamas para vestir e his­tórias para ler podem complicar seriamente a vida de dois adultos nas horas seguintes. Sim, é um facto: o raio da realidade com bebés e olheiras pode ter mo­mentos de pouco glamour. Mas são escolhas.

POR EDUCAÇÃO E POR FEITIO (ou, quando levado ao extremo, por defeito irritante) sempre achei que era um fulano orga­nizado e planeado. Pensava que sabia antecipar pro­blemas e preparar solu­ções de contingência para aplicar quando necessá­rio. Mas a realidade, mais uma vez a realidade, meteu-se no meio. E segundo mais poderoso dos clichés da paternidade – o primeiro é o que diz que eles crescem muito rápido – provou-me que eu não sabia assim tanto sobre antecipação. Reza este lu­gar comum, o segundo, que os filhos fazem-nos re­pensar todas as prioridades. Confirmo. Só depois de ser pai é que percebi quão mau sou a hierarqui­zar as tarefas em casa.

VEM ISTO A PROPÓSITO do dia que hoje se cele­bra. Ou que hoje se lembra. Na verdade, não é de cele­bração que se fala. O Dia Internacional da Mulher não serve para festejar. Serve para recordar. Para alertar. E eu, que durante anos achei que a igualdade de géne­ro era uma batalha importante, mas que a coisa iria lá com o tempo, tenho hoje uma ideia diferente. Se de­pendermos do tempo, estamos tramados. Nós, todos. Homens e mulheres. E foi preciso ser pai para o per­ceber. Foi preciso constatar que raramente penso no jantar com antecedência para entender que o equilí­brio entre a vida profissional e familiar que se faz em tantas casas por este país está muitíssimo mal distri­buído. Não há raio de equilíbrio nenhum. Nessa tão simples e mundana tarefa que é pensar o que vai ser o jantar cabe tudo um quadro de desigualdade entre homens e mulheres, pintado por várias gerações ao longo de muitos anos.

BEM VISTAS AS COISAS, e evitando as sempre perigosas generalizações, é muito mais fácil execu­tar do que planificar. No que às tarefas domésticas diz respeito, e por difícil que seja admitir, muitos ho­mens preferem mesmo seguir as ordens que as mu­lheres lhes dão em casa. É mais prático, mais cómodo e dá muito menos trabalho. E, pensam, ainda ganham uns créditos ao dizer que «ajudam muito». Esquecem-se é que a iniciativa de fazer as coisas – nem que seja a pensar no que será o jantar – é uma das mais impor­tantes tarefas que elas desempenham. E que também dá trabalho. Muito.

[Publicado originalmente na edição de 8 de março de 2015]