Mudar é capaz de ser a coisa mais difícil de todas. O que é bizarro, uma vez que, como diz a canção, «todo o mundo é composto de mudança». Deveríamos estar habituados a este caminho desentido obrigatório que a dimensão do tempo nos manda seguir, sempre em frente, sem olhar para trás e sem poder voltar para recuperar algo que deixámos cair. Deveríamos estar preparados para abraçar este destino, exultar com as possibilidades que nos abre.
No entanto, muitas vezes, assusta-nos a ideia de que o que temos hoje e que aprendemos a dominar, gerir, entender, poderá amanhã desaparecer para dar lugar a uma outra realidade, que não dominamos, não sabemos gerir, não entendemos. A mudança, muitas vezes, não se faz como um contínuo, uma paisagem numa viagem de comboio, que vai mudando lentamente, sem que nos apercebamos e nos leve aos poucos de uma cidade cheia de prédios a um pinhal cheio de árvores sem que estranhemos a diferença.
Não, a mudança muitas vezes faz-se de repente, travão a fundo, guinada para o lado, marcas da travagem na estrada da nossa jornada. A mudança não tem seguro e, quando nos bate, foge o mais rapidamente que consegue, sem prestar auxílio, sem olhar para trás para ver os danos que nos causou. Por isso temos tanto medo dela. É bruta e brusca.
Mas nem sempre. Às vezes, tarda em chegar. Quando tudo cai de podre à nossa volta, quando sentimos que estamos preparados para mudar, que o nosso antigo mundo já não nos serve porque crescemos para além dele, ou mudámos antes dele, a mudança parece não querer aparecer. Ou vai-se instalando de mansinho, sem que dêmos por ela. Apenas pontuais sinais, aqui e acolá, a mostrar que um dia, quando menos esperarmos, ela irá aparecer.
Sob que forma, nunca sabemos. O que sabemos, e por isso a tememos tanto, é que a mudança é a perda de algo. Implica dor, luto pela coisa perdida. É certo que traz também algo novo e nem sempre o algo novo é necessariamente mau. Mas a perda e a forma traumática como muitas vezes se dá essa perda, isso é o que nos perturba realmente em relação à mudança e nos faz resistir à sua inevitável estocada.
Agarramo-nos a esta forma de vida que conhecemos, organizada de forma perceptível e cujas regras conhecemos bem. Temos medo de perder o que já conquistámos se vier por aí outro paradigma, com outras regras às quais poderemos não nos adaptar tão bem. Mas se pensarmos que a mudança nos traz também a sensação de liberdade, a liberdade de poder escolher a forma como essa mudança se opera, talvez não seja tão assustadora a ideia.
Se não estamos bem, se à nossa volta encontramos um sistema a cair de podre, que já a poucos serve, maltratando a maioria, subjugando-a para conseguir os seus intentos, então cabe-nos escolher como queremos fazer essa mudança. Se queremos que ela aconteça um dia, quando menos esperamos e de forma abrupta, sem saber para que lado irá cair, ou podemos constituir a própria mudança.
Podemos ir mudando aos poucos a forma como agimos, como concebemos o mundo, como entendemos ser o nosso papel aqui. A única certeza é a de que nada é imutável. Mais vale enfrentar a mudança de frente do que ela nos encontrar de costas, enquanto fugimos do inevitável.
ANA BACALHAU ESCREVE DE ACORDO COM A ANTIGA ORTOGRAFIA