Homem-Formiga, o novo filme do universo Marvel, está nos cinemas. Fomos a Londres falar com Michael Douglas que, chegado aos 70 anos, diz que está diferente: atinado como «homem de família» e com vontade de fazer mais pelas Nações Unidas.
Em Hollywood, ter o estatuto de «icónico» implica um longo historial. Implica uma carreira e uma série de etapas cumpridas de aclamação. Mas, no caso de Michael Douglas, entra em cena outro fator: uma questão de realeza. Se há «Família Real» no cinema norte-americano, o veterano de 70 anos (quase a completar 71), é um dos seus membros mais proeminentes.
Produtor, ator, descendente de atores. O pai, uma das maiores estrelas de sempre, o não menos icónico Kirk Douglas, ainda está vivo (99 anos) mas retirado por doença. A mãe, a atriz Diana Douglas, faleceu em Los Angeles aos 92 anos… na véspera desta conversa com o jornalista da Notícias Magazine. Os muitos repórteres internacionais que se alinham para as entrevistas no corredor do hotel londrino interrogavam-se: «Ele está mesmo cá? A mãe morreu ontem e ele está cá?!» Sim, Michael Douglas não quis desistir dos compromissos. E estar em trabalho é uma forma de superar a perda. Apenas nos pedem para não mencionarmos o tema nas conversas. «O sr. Douglas agradece os pêsames, mas pede encarecidamente que não toquem nesse assunto.» Isto sim, é um exemplo de uma das máximas do mundo do espetáculo: the show must go on.
Camisa de linho azul, aspeto fresco, sorriso triunfante. Diz-se que é pelo buzz positivo que Homem-Formiga está a ter. Michael Douglas é um daqueles exemplos de franqueza brutal que já lhe trouxe problemas (numa famosa entrevista ao jornal inglês The Guardian abordou a forma como terá contraído o vírus do papiloma humano que lhe provocou um cancro na garganta). «Se sou demasiado aberto aos jornalistas? Bem, o que posso dizer é que não sei fazer estes encontros com vocês se não for verdadeiro. Não sei, mas acho que dá um trabalhão estar a inventar histórias. Prefiro ser sempre igual a mim próprio. Na maior parte das vezes sou mesmo verdadeiro.»
No novo filme que chegou às salas portuguesas na quinta-feira, Douglas interpreta Hank Pym, um cientista filantropo que cria um fato que permite superpoderes de redução das partículas. Basicamente, quem usar o fato fica do tamanho de uma formiga e com o poder de comunicar com aqueles insetos. Para os mais distraídos do universo das BD, Homem-Formiga é uma adaptação dos livrinhos da Marvel. Um blockbuster com um sentido de humor mais assumido do que costumamos ver nestes filmes. E neste espectáculo de efeitos visuais, há um momento que impressiona: a sua personagem, quarenta anos mais nova. Graças aos truques digitais, o rosto de Douglas sem rugas. Como é que um septuagenário reage a essa transformação? «Foi uma loucura quando vi na semana passada o filme pela primeira vez. Nem imaginava como é que os efeitos computorizados iam transformar o meu rosto! Quando filmámos, puseram-me uns pontos na cara, mas agora, caramba, parece que voltei aos tempos do Em Busca da Esmeralda Perdida (1984)! Pensei logo: vou ter uma nova carreira. Que maravilha! Mas uma vez tive um pesadelo em que nós, atores, éramos substituídos por hologramas.»
Por estes dias, lançado à boleia parasita de Homem-Formiga, Douglas está também nos cinemas com À Prova de Fogo, um filme de ação com orçamento reduzido. O homem está longe da reforma. E não deixa de se assumir como ator. Apesar de ser um proeminente produtor. Chegou a deixar a interpretação para se dedicar à produção. Largou o protagonismo da série de televisão As Ruas de São Francisco para preparar a produção do não menos mítico Voando Sobre Um Ninho de Cucos (1975), de Milos Forman. «Foi o maior risco da minha vida.» Um risco que compensou: o filme venceu o Óscar, o primeiro que Douglas levou para casa – o segundo apareceu na década seguinte como ator, em Wall Street.
Agora diz que está encantado por não ser a personagem principal. «Está a saber bem pertencer à família Marvel. Espero que seja uma relação de muitos anos. A equipa de filmagens é a mesma dos outros filmes dos super-heróis… É um fator de conforto!» Ainda assim, o produtor também sabe que os estúdios Marvel estão a inflacionar o custo dos filmes nos EUA e a matar a possibilidade de mais cinema de médio orçamento. «É verdade… Ou existem estes filmes de valor exorbitante ou os independentes de pequeno orçamento. E cada vez há menos bons papéis…»
Ele sabe bem a importância dos bons papéis. Aqueles que marcam uma carreira. Os que obrigam um ator a transformar-se. Como ele, quando se fez passar pelo excêntrico pianista Liberace em Por Detrás do Candelabro, de Steven Soderbergh, há dois anos, papel que lhe valeu um Globo de Ouro e um Emmy (nos EUA não chegou aos cinemas, foi para a televisão). Ou seja, quando é preciso transforma-se. A vantagem de se ser uma superestrela é que pode aceitar os trabalhos que quer. Este de Homem-Formiga, em particular, foi para impressionar o filho, Dylan, de 14 anos, o mais velho dos dois que tem com a mulher, a atriz Catherine Zeta-Jones (tem mais um, de um casamento anterior). Isso é que é poder dar-se ao luxo de fazer o que quer. Faz sentido, neste momento em que, ultrapassado o cancro da garganta que o ameaçou há uns anos, se volta para a família. «Agora consigo estar mais tempo com estes filhos. Creio que valorizo muito isso de ter uma família mais jovem… Mesmo assim, a minha filosofia parental é não ficar amigo deles. Sou o pai e não o amigo. Apesar de ser um tipo aberto, tenho regras e regulamentos como muitos pais tradicionais.»
Fora do cinema, Michael Douglas tem outro compromisso nobre: é consultor das Nações
Unidas. O que faz lá, ao certo? «Gostava de fazer mais. Não tenho um ponto de vista oficial mas estou focado na área do desarmamento. Faço também narrações para pequenos filmes de diversas áreas e também, por vezes, dou a cara. Noutros casos, sou também chamado para algumas viagens.»
E, já agora, alguém que tem dois Óscares, uma imagem de lenda em Hollywood e uma fama de mulherengo, consegue deixar alguma mensagem de filosofia de vida? «Aproveitem as oportunidades que a vida vos dá. Deem sempre o melhor. Não acredito em segundas oportunidades…» À despedida, o cavalheiro bem educado agradece duas vezes. Sim, ele está grato pelo que a vida lhe deu. E ele soube aproveitar.