Factos para acabar de vez com a desigualdade

Notícias Magazine

Há factos e há argumentos. Os argumentos costumam enfraquecer com a demonstração dos factos. Mas quando se discutem direitos da mulher, igualdade, evolução da condição feminina ou mesmo feminismo – porque não? –, isto não acontece. Aí os argumentos parecem sobrepor-se a toda e qualquer lógica. A todo e qualquer facto, estatística, número, exemplo que nos coloquem diante dos olhos.

O feminismo é olhado de lado. E mesmo as estrelas que o assumem têm quase de justificar porque o fazem, pôr o pé na porta, gritar bem alto – ou abanar bem o rabo, como foi o caso de Beyoncé. O assunto dos direitos das mulheres não é tema que mova multidões. Ou, melhor dizendo, acalmou-se o fervor sufragista, e também já a ninguém apetece ir queimar sutiãs para as avenidas. Outros direitos puxam mais páginas de internet, movimentos sociais e, até, programas políticos. Os direitos das mulheres são fora. In são, por exemplo, os direitos dos animais – ai tão fofinhos. Os direitos dos homossexuais, esses são causas que valem a pena – há filmes, livros, manifestações. E perdoem-me colocar ambos em pé de igualdade neste parágrafo, não é com nenhuma intenção a não ser a simples enumeração.

Serão outras minorias. Ou antes, maiorias. As mulheres podem eventualmente ser maioria, na pior das hipóteses serão metade da humanidade (pelo menos em idade ativa). E porque as mulheres são tantas, e tão presentes, e tão, mas tão conhecidas, e nada, mesmo nada estranhas ou excêntricas – pelo menos a maioria, numa normal curva de Gauss. Estão por todo o lado, sim, as mulheres.

Pois nesta semana saiu o relatório da ONU sobre a progressão dos direitos das mulheres. E as conclusões são simples: «A participação das mulheres no mercado de trabalho estagnou nos últimos 25 anos. As diferenças de géneros são largas e persistentes: três quartos dos homens trabalham em comparação com apenas metade das mulheres.» Há outras. Em forma de números: as mulheres, de uma maneira geral, ganham 24 por cento menos do que os homens, e por exemplo em França e na Suécia – sim, esse país farol da humanidade em matéria de hábitos sociais – qualquer mulher deve esperar ganhar menos 31 por cento do que um homem na mesma posição. 49 por cento menos na Alemanha. Portugal fica-se por uns honrosos 17,8 por cento. As mulheres gastam mais 2,5 vezes do tempo do que os homens em trabalho não remunerado a tratar da casa, dos filhos, da roupa e da comida da família. E aqui não está sequer contemplado o planeamento e a preparação.

São estes os factos que davam para acabar com qualquer argumento. São estes os números que dariam para envergonhar qualquer homem decente que estivesse a olhar para eles. São estas as comparações que dariam para fazer revoluções em sociedades evoluídas, fruto da história.

Mas não. Continuamos todos e todas a assobiar para o lado. A não perceber que não há nenhuma razão lógica para isto acontecer, a não ser, talvez, a reprodução acéfala de modelos sociais e antropológicos que não questionamos. Porque é mais fácil desistir e ir coser meias do que lutar por uma carreira – cheia de alçapões, armadilhas, num «mundo de homens», como diz o relatório. Continuamos a comprar esfregonas e baldinhos cor-de-rosa, e bonecas com lacinhos para as nossas filhas, e kits de ciência, carros e motos para os nossos filhos. A dizer que, em casa, apenas passamos a ferro, como se isso servisse como uma espécie de desculpa para não dizermos que não fazemos nada. E como se não houvesse razão para que uma ministra das Finanças não fizesse nada em casa. Mesmo. Não, a responsabilidade do «estado a que isto chegou» não é toda da outra metade da humanidade.

[Publicado originalmente na edição de 3 de maio de 2015]