Eles não põem o humor na gaveta

 

Odeiam-se, nem se podem ver. Um é de esquerda, esquerda Pata Negra, o outro de direita, mas sempre com um piscar de olho a quem está no poder. Dois humoristas, dois pontos de vista. O Humorista e Carlos M. Cunha, dos Commedia a la Carte, juntos não se entendem, estão em plena e contínua oposição. O humorista é o reacionário de serviço, responde pela direita, enquanto o gigante da comédia de improviso se bate pela esquerda.

«Não tendo a direita no poder, vai ser difícil fazer humor», diz O Humorista com a voz refinada e ar de superioridade. Carlos M. Cunha quase tem vontade de concordar, enquanto faz uma careta e avisa: «Sem Passos no poder as greves vão acabar e as pessoas vão perceber que a alternância é boa… Já tivemos quarenta anos de governo centro-direita, chega! E agora os feriados vão voltar! A malta é de esquerda mas não é estúpida…»

A verdade verdadinha é que em Portugal nunca os humoristas tiveram tanto material para fazer humor. Desde o começo dos anos 1980 que a piada política não estava tão em voga e, nesta altura, não são apenas os humoristas a tentar fazer humor com a situação política. Qualquer cronista acaba por tentar ter uma punch line de humor nas suas crónicas. Se resulta ou não, isso já é outra questão. O mais triste nisto tudo é o cliché vigorar sempre: a maioria dos comediantes diz que é de esquerda. Um humorista de direita é a tal agulha no palheiro. O Humorista sorri quando lhe gabamos a coragem, sorri com aquele sorriso altivo que costuma espalhar no 5 para a Meia-Noite, como convidado fixo de Fernando Alvim. «Sinto que os políticos cada vez se riem mais do humor, em especial o humor que eu faço. Sei que o Dr. António Costa é grande fã do meu trabalho, ri-se muito. É mesmo fã. No CDS sei que também recebem muito bem as minhas piadas, recebem-nas de portas abertas!», diz com uma gargalhada irritante. O Humorista é mesmo assim, ri-se das suas piadas e está cada vez mais convencido de que é a única pessoa com piada em Portugal. Não tem absolutamente medo nenhum de ser persona non grata.

Carlos M. Cunha lança uma farpa contundente: «Os humoristas de direita nunca são incisivos… Vivem muito à conta do tachinho, como aqui este senhor… Felizmente, nós na esquerda não somos assim! Se é para dar porrada no Costa, damos porrada no Costa. Temos capacidade de fazer autocrítica! Nós vamos para a luta, vivemos da luta.» O Humorista faz orelhas moucas e pede educadamente para lançar um recado à coligação de esquerda: «Peço ao Dr. António Costa, à Catarina Martins, uma grande atriz que não me lembro de a ver em nenhuma peça ou filme, e a Jerónimo de Sousa, que ainda me lembro dele lá na fábrica da minha família, que nos novos feriados promovam espetáculos de stand-up na Assembleia.» O recado está dado.

À medida que a conversa avança, a crispação aumenta. O Humorista vai ficando irritado com o espírito do contra do seu colega de comédia. Quando lhe perguntamos se se vê como um deus da comédia de fação de direita, responde com um lacónico «sim». Está irritado. Acalma-se um pouco quando consegue explanar a sua teoria fascizóide de que o humor tem limites: «Claro que tem. Há limites no humor. Há coisas com as quais não se brinca. Em Portugal, faz falta mais respeito e o humor tem de mostrar o que é o respeitinho. O respeitinho é uma coisa tão bonita… Ouça, Carlos, o respeito tem piada! Claro que é mais difícil fazer humor com respeito e eu, como quase sempre estou em viagem em primeira classe e fora de Portugal, nem sei se por cá se consegue fazer esse tipo de humor. Aliás, não conheço muito o que se faz cá de humor, mas lá fora já me ri com comediantes de esquerda. » Cunha nem quer acreditar e quando lhe falamos na força das redes sociais para veicular humor de pendor político torce o nariz: «Não sei se isso das redes sociais não é uma coisa muito fascizóide e controlada pelo poder imperialista americano… De quem são os satélites?» «Isso é teoria da conspiração», dispara o Humorista e, antes que este duelo chegue a vias de facto, perguntamos a ambos o que acham de um possível cargo para um humorista nesta altura em que tudo é possível. Responde o Humorista sem perder tempo: «De alguma forma estou disponível, mas não é algo que vá decidir de um momento para o outro. Não quero estar a influenciar quem estiver à espera desta entrevista para me fazer convites, mas estou disponível, por exemplo, para a pasta da Cultura.» Curiosamente, o comediante da esquerda está de acordo num ponto: «É fundamental que alguém de humor esteja no poder. Temos é de ser bem pagos! Assumo, sou um bocadinho esquerda caviar, embora
não goste de caviar. Sou esquerda Pata Negra.»