Ecos e cenouras

Notícias Magazine

Os olhos piscam mais do que o normal e o mundo passa por nós em fremente bulício enquanto permanecemos, qual olho do furacão, num silêncio pesado, que nos dificulta o movimento. Ficar «bêbado de sono», como dizia a minha avó, e ver o mundo andar em fast forward enquanto cá dentro andamos em slow motion. As forças abandonaram-nos e só queríamos o nosso sofá ou a nossa cama para nos deitarmos a descansar. Não se pode descansar enquanto não se cumprir o que nos propusemos fazer. E assim nos arrastamos, agarrando com força as forças que nos escapam, como o burro que corre para apanhar a cenoura que lhe foi posta à frente dos olhos.

Será que aquilo que nos deixa tão cansados vale a pena, ou a cenoura pela qual corremos não passa de um logro desenhado apenas para nos fazer correr indefinidamente?

Questione-se tudo. O cansaço é demasiado precioso para ser desperdiçado em coisas de somenos. Se o stress me tira anos de vida, que seja de uma vida plena, feliz com o seu trajecto e escolhas. Caso contrário, será um cansaço mau, inglório, vão, sem que o prémio no fim, essa cenoura pela qual nos fartamos de andar, nos seja entregue em mãos – suspiro profundo, a deixar adivinhar uma espécie de tristeza solene quando se descobre que se andou a trabalhar para nada. Há também o cansaço caprichoso. Aquele que se anuncia com veemência, para depois se retirar de repente, sem que saibamos para onde foi.

Mas há um cansaço que vale a pena e que provém de trabalho feito para algo cujo vislumbre nos enche o peito de alegria e que, ao mesmo tempo que nos vai moendo as forças, nos acalenta os sentidos.

Essa cenoura não é um logro e espera-nos ao fundo do caminho. Quando lá chegamos, esbaforidos, estendemos a mão e colhemos o louro, que é como quem diz, a cenoura. Foi difícil lá chegar, pois sim. Tirou‑nos anos de vida, pois claro. E faríamos tudo outra vez, claro está. Porque não só o que colhemos vale a pena como também a viagem, o caminho até lá, fez que tudo tivesse ainda mais valor. Esse cansaço que nos enleva, depois do trabalho feito, e nos devolve o sorriso aos lábios, enquanto vamos adormecendo lentamente, aninhados em nós mesmos, certos de havermos terminado da melhor forma os nossos hercúleos trabalhos, esse cansaço, como dizia, é o eco da nossa felicidade.

[Publicado originalmente na edição de 15 de novembro de 2015]