
Quase parecia enguiçado o concerto em São Tomé. Tudo começou mal, saí do voo de Maputo. Depois de 10 horas a viajar, a perna direita acusou o cansaço e fui a coxear até casa, onde me deitei a descansar, na esperança de que aquela dor fosse passageira. Afinal, dali a umas horas teria de estar novamente no aeroporto para viajar mais 8 horas para São Tomé.
A meio da noite, percebi que não melhorara e que, se não fizesse nada, talvez não pudesse viajar, o que implicava cancelar o concerto. Como o cancelamento de um compromisso profissional será sempre a última opção para mim, fui às urgências, onde fui prontamente medicada. Ainda consegui dormir mais duas horas antes de sair para o aeroporto. A viagem fez-se sem grandes sobressaltos e à chegada já quase não tinha dores, nem coxeava.
O avião em que viajámos foi baptizado de «Almada Negreiros» e, apesar de não fazer esta rota, foi escolhido para aquela viagem porque se assinalavam os 45 anos da morte do artista são-tomense.
Sendo um avião mais pequeno, não conseguia suportar o peso da carga que o avião que normalmente faz esta rota consegue, o que terá levado a que não tivessem chegado algumas malas. Com efeito, cinco das malas da nossa equipa ficaram em Lisboa, de entre elas, a mala que carregava o contrabaixo, o que significou que, para além de alguns de nós terem ficado sem roupa para o concerto, um percalço facilmente ultrapassável, estávamos sem contrabaixo em São Tomé, percalço já mais difícil de ultrapassar.
Logo se começou a tentar descobrir um contrabaixo preparado para concerto ou, em alternativa, um baixo eléctrico. Na manhã do concerto, finalmente achou-se um baixo eléctrico e ficou selado o destino da Deolinda: pela primeira vez, as suas canções seriam tocadas por um baixo em vez de um contrabaixo, tarefa hercúlea realizada de forma exímia pelo Zé Pedro Leitão, que soube transportar as canções para um instrumento diferente daquele que toca sem desvirtuar o universo sonoro e artístico da banda.
Antes do concerto, o Luís Martins ainda teve tempo para se cortar num dedo, precioso para tocar guitarra. Resultado: tocou de penso no dedo. Com medo de que mais alguma coisa pudesse acontecer, pedi que marcassem a fita branca, o início da escadaria onde íamos tocar, não fosse o destino querer terminar o concerto com grande estrondo.
Felizmente, tudo correu muito bem. E, a partir daí, parecia que o enguiço se havia desvanecido. Convidaram-nos a ir ao «Cacau», uma espécie de pólo cultural que inclui uma zona de exposições de artistas locais, um bar e um pequeno palco com microfone aberto, onde alguns músicos tocavam.
Depois de algumas canções, fomos chamados ao palco. Não havendo guitarra clássica e não querendo fazer a desfeita aos que nos queriam ouvir, o Luís atirou-se à guitarra eléctrica que lá estava e o Zé ao teclado, usando as notas graves para tocar as linhas de baixo. O Pedro havia ficado no hotel, a descansar.
Foi assim em trio eléctrico que uma parte da Deolinda tocou Seja agora e Mal por Mal. Nesta última, o baterista e o percussionista da banda anterior foram convidados a improvisar um acompanhamento connosco. A noite acabou, portanto, da melhor forma, entre músicos e público, a tocar, improvisar, trocar experiências, culturas e gargalhadas.
No dia seguinte regressava-se a Lisboa. Porém, como o avião partia ao final do dia, tivemos ainda tempo de visitar a linda cascata de São Nicolau, uma praia deserta, rodeada por uma floresta luxuriante, chamada Micondó, e almoçar na Miónga. Ainda maravilhados pela beleza da ilha, trocámos São Tomé pelo Santo António e chegámos no dia 12 de madrugada.
21-6-2015