Deixem-nos errar. E muito. Porque o erro ensina.

Notícias Magazine

Aprender com os erros. Em gestão, este é ensinamento para a vida. Há até um nome para a disciplina: gestão do erro. Parte da ideia de que os falhanços podem ensinar-nos mais do que os sucessos – com estes aprendemos como não fazer, desde que a supressão do erro seja feita de forma sistemática. Há livros e livros sobre como lidar com os erros de forma produtiva, incluir as falhas no modelo do nosso negócio, exemplos de carreiras de sucesso que começaram com o pé esquerdo. Há gurus do erro…

Talvez seja este o maior atrativo dos jogos de computador – permitem-nos errar, cair e continuar em frente, aprendendo a lição, sem que isso nos traga maiores consequências do que a perdade uma vida virtual. Carregamos no botão, desligamos a plataforma da tomada e aí vamos nós outra vez. Podemos cair no poço e perceber que ele estava lá, voltar atrás e repetir o percurso sem o pisar. Perceber que devemos evitar aquele forte adversário pelo lado em que ele é mais forte. E se este é um atrativo dos jogos de vídeo, isso também se deve à cada vez maior distância a que está da realidade. Sobretudo dos jovens e das crianças.

A infância devia ser a única época das nossas vidas em que o erro seria não só bem-vindo como desejável. Não só pela já referida questão do ensinamento que transmite. Essa é a época em que falhar tem menos consequências. Perder uma namorada aos 4 anos não é igual a divorciar-se aos 40. Partir um pé aos 7 anos não é igual a acontecer-nos o mesmo aos 50 – estamos com os ossos menos espevitados, temos mais compromissos que dependem dos nossos dois pés, e o cansaço aperta mais.

O que está a acontecer, de há uns anos a esta parte, é que as nossas crianças estão a perder a margem de erro. Em casa não as deixam portar-se mal, correr riscos, sair da forma que os pais para elas estabelecem muito cedo. Na escola, enfiadas em programas livrescos, atafulhadas de matéria para aprender – ou para marrar, seria melhor dizer – desde muito cedo, também. Com testes e exames que as qualificam em notas, exames «nacionais» que nenhuma outra função têm a não ser a de estratificar os resultados, selecionar os seus autores, separar os que ficarão como bons dos que serão rotulados como maus.

É disto que falam alguns dos especialistas que consultámos para perceber quais os maiores desafios que hoje se colocam a uma criança. Precisamente, dizem eles, aprender a errar. Não me interpretem mal. Não defendo a falta de exigência a que, há uns anos, se atribuíam todos os males do ensino em Portugal. Julgo é que aprender a aprender é mais importante do que decorar conceitos, enfardar matérias sem ligação com a realidade.

Aprender é mais do que saber a matéria para o teste. Porque os rios de Portugal, esses leva-os o vento da memória. Já a curiosidade, o desejo de saber mais, de saber como se pode querer saber mais, esse ficará para sempre inscrito na nossa forma de ser e de aprender. Assim como um erro superado nos dará sempre mais confiança na vida e na nossa capacidade de lidar com ela. E por isso não devia vir escrito a vermelho.

[Publicado originalmente na edição de 31 de maio de 2015]