De olhos no futuro

Há uma agência criativa que, durante dois dias, leva a cabo um acelerador de competências para jovens universitários. Num dia ensina-os a «venderem-se» ao mercado, no dia seguinte junta-os com os principais players das suas áreas profissionais. O resultado? Em alguns casos, uma verdadeira mudança de vida.

Post-its amarelos, cor-de-rosa, azuis. De repente, as vitrinas centenárias do Salão Nobre do ISEG transformadas numa festa de cor. E de vozes. E de ideias a fervilhar. Naquela sexta-feira, a meio da manhã, 165 estudantes universitários ou recém-licenciados reuniram-se para um Pitch Bootcamp organizado pela agência Spark. A primeira tarefa? Escrever em post-its tudo o que já fizeram na vida, desde as formações às viagens, sem esquecer o escutismo ou aquele babysitting aos primos.

Já lá vamos, aos post-its. Antes, a pergunta: o que vem a ser, afinal, um Pitch Bootcamp? Em traços gerais, a ideia destes aceleradores de competências é pôr os jovens a pensar sobre as funções que gostariam de exercer depois dos respetivos cursos, em que empresas, e de que forma chegar lá. Qual a melhor maneira de se venderem (a palavra pode ferir suscetibilidades, mas não há outra melhor) ao mercado. Em suma, como conseguir destaque, no meio de tantas fornadas de licenciados que todos os anos invadem o país. O valor de inscrição para aprender tudo isto é de 30 euros.

O mentor destas formações intensas (decorrem em dois dias, sexta e sábado) é Miguel Gonçalves, criativo de Braga conhecido pelas suas palestras motivadoras, por ter criado o So You Think You Can Pitch (o modelo anterior ao Pitch Bootcamp, que era mais parecido com o formato de Ídolos só que, em vez de cantarem, os jovens convenciam as empresas a contratarem-nos) e por ter sido escolhido por Miguel Relvas para ser o «embaixador» do Impulso Jovem, dias antes de o ministro ter saído de cena.

O primeiro exercício de todos é, então, o de colocar em post-its coloridos todas as experiências que já tiveram. A seguir será preciso converter as experiências em números porque – e citando Miguel Gonçalves – «se em Portugal se fala português e na China chinês, no mercado fala-se numerês» e, por fim, a terceira leva de post-its conterá as competências que cada experiência trouxe.

Sofia Morais, 23 anos, levanta o braço. Precisa de ajuda. Miguel aproxima-se e ela explica, cabisbaixa, que não crê ter competências ganhas a partir da parquíssima experiência de vida. Miguel levanta-se, pede-lhe que se levante e ficam ambos diante da folha onde Sofia colou os seus post-its. Miguel lê: «Ballet e sapateado? Quantos anos?» Ela, apagada, responde: «Dez.» Mais duas ou três perguntas e o mentor dirige-se ao meio da sala e pede a atenção de todos: «Pessoal, só uma pequena questão: uma pessoa que faz ballet e sapateado há 10 anos, duas vezes por semana. Que competências isto lhe trouxe?» Levanta-se um braço, seguido de um adjetivo: «Disciplina.» Outro braço: «Rigor.» Mais um: «Dedicação.» E outro: «Paixão.» Miguel agradece e torna a perguntar: «Acham que essas competências interessam às empresas ou não?» Um unânime «Sim» enche a sala. Sofia sorri. Compreende a mensagem.

Para Miguel Gonçalves, Sofia Morais é o típico «patinho feio», a jovem que tem todo o tipo de competências mas que não as valoriza. De resto, de seguida descobre que ganhou prémios na faculdade mas não lhes tinha dado destaque. «É este tipo de mensagens que queremos fazer-lhes passar! Não podem ir para uma entrevista de emprego com este discurso do “não fiz nada, não sei nada, não sirvo para nada”. A maioria fez muitas coisas! Coisas que contam, que lhes trouxeram competências reais.»

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No final do exercício, alguém pergunta o que importa mais: se as hard skills (a formação propriamente dita) ou as soft skills (as competências não técnicas). Miguel, de imediato, pede aos estudantes e recém-licenciados que pensem em pessoas que admiram muito: «Podem ser conhecidos ou anónimos, vivos ou mortos.» Todos pensam um pouco e Miguel volta à carga e pergunta a um: «Tu, pensaste em quem?» O rapaz responde: «No meu pai.» «E qual é a competência que mais admiras nele?» O jovem declara, sem hesitar: «Honestidade.» Seguem-se outros exemplos: uma avó persistente, um Steve Jobs com visão, uma mãe perseverante. No final, Miguel Gonçalves pergunta: «Algum de vocês referiu as competências técnicas destas pessoas que admira?»

Há exercícios durante todo o dia. Um deles, talvez o mais importante para o dia seguinte, é o pitch, isto é, a apresentação breve (dois minutos) que cada um tem de fazer de si aos outros. Na sexta-feira o pitch é feito para os colegas, que têm a tarefa de o criticar, no sábado todos terão de se apresentar diante de três ou quatro potenciais empregadores de algumas das maiores empresas do país. Miguel orienta: «No pitch têm de dizer em que é que são bons, quais as vossas principais competências e o que querem fazer. Imaginem que estão com alguém de uma empresa e não sabem o que podem lá fazer. Transformem o “não sei o que quero” em “quero passar os próximos meses a conhecer a empresa e a perceber em que área é que me sinto realmente confortável”. Assim, passam da imagem de um tipo indeciso para a imagem de um tipo interessado.»

Os largos minutos que se seguem são uma nova festa, no salão nobre do ISEG. Há 165 jovens de pé, em grupos em que cada um se apresenta o melhor possível, escutando de seguida as críticas. Há ainda lugar para muita formação, ao longo do dia: aprender a fazer um currículo apelativo; aprender a dar um aperto de mão confiante («nada de mãos moles mas também não precisam de ser o Hulk»); aprender quais os departamentos nas empresas que se adequam à sua formação; saberem que empresas poderiam ter um lugar. Em todos os Bootcamps já feitos (e esta é a edição 32), a mesma descoberta: os estudantes não sabem onde se encaixam nem o que podem fazer, na prática, com os seus cursos.

No final do dia, chegam Miguel Leónidas, senior partner da Deloitte, André Carvalho, country manager da Red Bull, e Rui Semedo, presidente do Banco Popular, vêm partilhar experiências, responder a questões, ajudar a tornar mais claro aquilo que aqueles que procuram emprego devem ou não fazer. A conversa prolonga-se, chovem perguntas, lições, conselhos, histórias de vida. No final, os bootcampers saem com um sorriso, os oradores estão contentes com o resultado. Tão contentes que, já à noite, Miguel Gonçalves recebe uma mensagem no telemóvel: Rui Semedo, presidente do Banco Popular, pede- lhe que dê a todos os jovens o seu e-mail, para que possam contactá-lo diretamente.

No dia seguinte, parecem outros miúdos, bem arranjados, muitos de fato e gravata, elas de blazer ou vestido, maquilhadas. O Salão Nobre do ISEG está mais cheio que nunca. Aos 165 bootcampers juntam-se 110 profissionais de 101 empresas. Nestlé, Fidelidade, Vodafone, BMW, Deloitte, Procter & Gamble, PT, Millennium, Pfizer, LG, etc.

Miguel Gonçalves agradece a presença de todos e explica o que vai acontecer de seguida: os profissionais vão descer ao piso inferior onde haverá 20 mesas. Cada mesa terá os nomes de três ou quatro, que se sentarão à espera do jovem que fará o pitch. Os 20 bootcampers descerão para se sentarem na mesa certa, onde terão de apresentar-se aos membros do júri que lhes calharem em sorte. A ideia é que os profissionais deem dicas do que devem melhorar no seu pitch ou que fiquem de tal modo impressionados que lhes ofereçam emprego. Há risos na sala mas o caso não é para rir. Miguel Gonçalves garante que, em 32 edições do Bootcamp, já foram criados mais de mil postos de trabalho.

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É então que Miguel Leónidas levanta o braço: «Antes de descermos, quero só pedir aos engenheiros informáticos ou outros engenheiros com conhecimentos vastos de informática que venham ter comigo se quiserem estágio ou emprego na Deloitte!» O burburinho na sala eleva-se, há aplausos e uma onda de esperança ilumina rostos.

No piso inferior, começa então a dar-se a magia. Estudantes ou recém-licenciados sentam-se cada um na sua mesa, em frente a três ou quatro «monstros» das empresas onde poderiam vir a trabalhar e «vendem» as suas competências. Há os que o fazem atabalhoadamente, há os que já têm a lição bem estudada. Do outro lado, há os que dão inputs cirúrgicos («foste pouco claro, fiquei sem perceber o que queres fazer», «olha-me nos olhos, isso transmite segurança!», «tens um sorriso bonito, usa-o»), há os que arrasam («dizes que és ativo mas toda a tua postura corporal me diz que és mole», «eu não te contratava »), há os que elogiam do princípio ao fim («gostei, és segura, és criativa, tens um discurso estruturado, leva o meu cartão, fico à espera do teu contacto»).

Todas as dicas devem ser absorvidas com avidez. À tarde, todos os bootcampers poderão fazer um novo pitch perante um novo painel de jurados e melhorar aquilo que não correu bem de manhã. Há muitos jurados que já vieram várias vezes. João Rosa Carvalho, diretor-geral da PT PRO, é um deles. Não sabe ao certo mas acha que já terá sido jurado umas 20 vezes: «Para mim é uma participação cívica. São miúdos que precisam de orientação e nós podemos dá-la. Gosto muito do Miguel Gonçalves e acho que ele faz mais pela gestão do talento neste país do que a maior parte das escolas e das empresas.» João Bogalho, da Psiengine, confessa-se um verdadeiro «viciado» no Pitch Bootcamp: «Acabo de chegar de Chicago, vim do aeroporto para aqui. Adoro isto! Já dei vários empregos a miúdos que conheci aqui mas o que me move mesmo é a história do life changing – há aqui gente que, com a palavra certa dada na hora certa, consegue alcançar o caminho dos seus sonhos. E isso é magnífico!»

Entre tantos membros do júri, destaque para Renato Gomes, 23 anos, com uma história curiosa para contar: «Há três meses eu estava do outro lado. Era um bootcamper, a fazer um pitch. Correu-me tão bem que fui contratado pela Microsoft. Isto mudou a minha vida e agora quero ajudar outros como eu.»

Acompanhamos muitos pitches mas há um que chama a atenção: o de Sofia Morais, o «patinho feio» que, na véspera, tinha um discurso apagado. Ao ouvi-la, em frente aos jurados, é como se tivesse virado cisne. Descreve com entusiasmo o que fez, os prémios que ganhou, os trabalhos na universidade  que mereceram destaque. No fim do dia, é uma Sofia emocionada que nos fala: «Isto mudou a minha vida! Entrei aqui a achar que não ia conseguir nada e saio daqui com dois contactos para estágios. Fui muito elogiada e sinto que aprendi mais do que em anos!»

O mesmo acontece com muitos outros. Uns saem com emprego garantido, outros com estágios
prometidos, outros apenas com a noção de que há ainda um longo caminho a percorrer, mas que agora terão novas ferramentas para iniciarem esse trilho.

Miguel Gonçalves senta-se em cima de uma mesa, no final do dia, e tem um sorriso que não se desmancha, petrificado na sensação de missão cumprida: «Isto é tão bonito, não é? São tão bonitos os miúdos, têm tantos sonhos, tanta garra, estão no começo de tudo…» O olhar brilha ao ver os últimos saírem, não sem antes se voltarem para trás e agradecerem («obrigada, Miguel, foi incrível!»).

As próximas edições do Pitch Bootcamp terão lugar no Instituto Superior Técnico, em Lisboa (15 e 16 de maio), na Faculdade de Ciências e Tecnologia, no Monte de Caparica (5 e 6 de junho) e no ISCTE, em Lisboa (3 e 4 de julho).