Um sismo como o que houve no Nepal é coisa para aterrar quem vive em Portugal. Não? Dantes, quando havia tremores de terra, conhecíamos deles apenas imagens estranhas de câmaras de vigilância ou de redações de televisões. Eram imagens sem grande grau de emoção, de armários a abanar ou a cair. E, como nos chegavam normalmente do Japão, esse país com muitos sismos e muita tecnologia, acabávamos por receber uma versão sem gritos, na qual as pessoas se viam ordeiramente a seguir instruções que pareciam ter interiorizado há muito.
Agora não. Agora recebemos imagens gritadas e gritantes de um Nepal a ruir, de pessoas descontroladas a correr em várias direções, a fugir de debaixo dos prédios que lhes caem literalmente em cima. Imagens como aquelas em que árvores abanam, o chão parece fazer ondas e se abre, os fios elétricos parecem cordas de saltar, essas têm sido raras e por isso são tão assustadoras. Pelo menos para esta temente de tremores de terra.
O Nepal tem pouco a distingui-lo de Portugal no que diz respeito a perigo sísmico. A cidade de Katmandu talvez esteja um pouco mais exposta ao risco do que Lisboa. Mas, como bem explica o sismólogo Fernando Carrilho nesta edição, quando há um acontecimento destes estão tantas coisas em jogo que não é possível dizer com certeza que podemos julgar-nos mais seguros do que se julgava qualquer nepalês que perdeu a sua casa, o seu trabalho ou a sua família. Depende do lugar onde se der o epicentro, da força da coisa e do tsunami que, quase de certeza, se seguirá – pelo menos quando acontecer por cá.
Digo tudo isto no futuro do indicativo porque, como já disse, sou pessoa temente de sismos e não quero desafiar o destino. Este é o meu único grande medo – nem ratos nem tão-pouco baratas – e como todos têm o seu grau de racionalidade e o seu quinhão de irracionalidade. Sempre que estou a passear na Baixa ou numa praia do Algarve tenho pensamentos maus neste sentido. Nunca viveria numa casa de tabique.
Mas estes receios muito pessoais não seriam razão para escrever uma crónica, como é evidente. Cronista que cede à tentação do narcisismo morre pela sua pena. Do que venho aqui falar-vos é de algo que nos diz respeito a todos: a prevenção. Dos efeitos dos sismos, já que dos sismos ninguém escapa. Por isso dizia no início da crónica: um sismo como o do Nepal é razão para aterrar quem vive em Portugal, não?
Pelos vistos, a resposta é não. Depois do episódio do Nepal verifiquei que poucos são os lisboetas que estão mesmo conscientes do risco em que vivem. Não digo que isso os paralise, claro, mas pelo menos podia espicaçá-los a saberem o que fazer numa situação destas. A verdade é que poucos parecem conhecer os procedimentos de segurança – e era bom que soubessem ainda que não os praticassem. E muitos olharam-me de lado quando lhes disse, muito naturalmente, que tenho uma lanterna na mesa-de-cabeceira.
Lanternas na cabeceira? Água em casa? Contar a todos os membros da família como se desliga a luz e o gás? Que não se deve fumar logo a seguir – ainda que se esteja nervoso? Planos de contingência e comunicação? Lugares de encontro? Conhecer bem a estrutura do prédio onde se mora e saber que paredes são mestras? Este é o bê-á-bá da prevenção, que pode não só ajudar a poupar vidas como a evitar que o país, como um todo, seja mais afetado por uma catástrofe. Mas nem os cidadãos parecem interessados em sabê-los nem as autoridades em que eles os saibam. Não é matéria ensinada nas escolas, as empresas não fazem simulacros e as cidades – sobretudo as do Sul – passam ao lado. Há tantos ditados que podem aqui aplicar-se que o melhor é não usar nenhum.
[Publicado originalmente na edição de 10 de maio de 2015]