Camisa escreve-se com z

Coimbra não fica no Tennessee, mas foi na cidade portuguesa que Zé André Figueira criou algumas das camisas mais cool do rockabilly em Portugal. O subgénero do rock’n’roll, nascido nos EUA na década de 1950, serve de inspiração às As Z’tomic Shirts.

Em fins de 2011, Zé André Figueira encomendou uma camisa através do eBay. O serviço de comércio eletrónico é muito prático, mas como não permite ver o produto ao vivo, acabou dececionado. Resultado: decidiu fazer ele próprio uma camisa. Mesmo não sabendo costurar. «Fi-la através de um processo de tentativa-erro. Demorei duas ou três semanas. Está torta e mal acabada.» Foi o primeiro passo para a criação da Z’tomic Shirts. Procurou moldes na internet, através da qual aprendeu a costurar numa máquina Oliva, e foi afinando a técnica, ajudado pela avó. Porque do estilo já tinha conhecimento profundo. Começou pelas chamadas two tone shirts e atomic shirts – daí o nome da marca, que inclui um «Z» de Zé – e fez as camisas caraterísticas de 1950 ao seu gosto, com tecidos comprados na Baixa de Coimbra, onde vive. Enquanto as atomic estavam ligadas aos padrões da época, refletindo o desenvolvimento tecnológico e o conhecimento científico (podiam fazer referência ao espaço ou ao movimento do átomo), as two tone apresentavam normalmente duas cores ou combinavam dois tipos de padrões.

Era uma fase particularmente difícil, aquela. Zé André tinha deixado o trabalho como prestador de serviços numa multinacional, tinha terminado uma relação longa e tinha voltado para casa dos pais. Por isso, sugeriram-lhe que fizesse das camisas negócio. Assim foi. Em 2012, criou uma página no Facebook e passou a vender, «humildemente, a pessoas que conhecia». Mas as coisas cresceram. E de que maneira. Sobretudo desde que o dono da Angel’s Speed Equipment, uma loja dedicada ao rock’n’roll, em Oslo, na Noruega, gostou do que viu na rede social. «Comprou-me tudo. Eram umas vinte ou trinta camisas. Não tinham definições de tamanho, mas ele quis, eu fiquei feliz da vida e pensei: why not

Nesses tempos, em que fazia tudo à mão, pedia 40 a 50 euros por exemplar – agora chega a vendê-las por 105. Vendia sobretudo para fora, como ainda hoje – tem clientes em Inglaterra, Alemanha, EUA, Canadá ou Vietname. A certo ponto, acusou cansaço. «Ou pagava a alguém para trabalhar comigo ou entregava [o trabalho] a uma confeção.» Escolheu a segunda hipótese. Agora as peças são produzidas industrialmente no Norte do país (prefere não revelar a fábrica). Sempre debaixo do olhar atento. Tudo tem o seu toque e faz questão de acompanhar o processo inteiro. Quando o primeiro protótipo está pronto – na confeção, na estampagem, no tingimento –, não espera que lho enviem: faz-se à estrada e vai ver. Recusa massificar o produto. Faz no máximo duzentas unidades, para revenda e disponíveis na loja online, em ztomicshirts.com.

Conseguir parceiros na indústria nacional foi uma luta longa e solitária. Durou mais de um ano. «Na área têxtil, é muito difícil ser empreendedor. No meu carro supervelho era uma aventura cada viagem, e foram muitas. Inicialmente, eu pedia uma coleção com cinquenta a cem unidades, e eles: “nem pensar”.» Ouviu dezenas de nãos até ao almejado sim.

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A industrialização tornou as coisas ainda mais sérias. O produto foi direcionado para colecionadores e puristas do rockabilly, o que implicou especial cuidado na escolha do tecido – outro desafio que levou meses a superar. «A maioria dos fabricantes fazia [o tecido], mas só de uma cor, uma tonelada.» As suas peças são feitas de liocel (fibra artificial de celulose, biodegradável, criada na década de 1980) e têm um acabamento similar à gabardina (trama que se usava nos anos 1940 e 50). O tecido, com um tipo de construção idêntico ao da época focada por Zé André, é pesado, mas «cai como seda», diz enquanto passa a mão numa flap pocket da coleção Route 23, lançada no início deste ano (é sobretudo para estas, para adulto, que agora está virado, já que as two tone estavam ligadas ao movimento juvenil).

«O meu amigo encontrou o tecido perfeito! Tenho três camisas do Zé e, fechando os olhos, são idênticas a uma original dos anos 1950», diz Pedro Pena. As cores também são semelhantes às originais, prossegue o músico, de 38 anos, natural de Coimbra. Sabe do que fala: sempre gostou de roupa alusiva à sua era musical de eleição, os anos 1950, coleciona roupa original dos EUA e trabalhou quase 13 anos numa loja de vestuário masculino em Paris.

Luís Filipe Santos, com gosto pelo vintage, também é cliente da marca. Desde o início. «Para comprar roupa em Portugal é um problema. De vez em quando faço pesquisas no Google. E uma vez vi as camisas do Zé André. Quando soube que eram portuguesas, fiquei espantado.» Para o lisboeta de 50 anos, que também tem uma marca de vestuário retro e vintage (Doo Wop), a Z’tomic Shirts veio preencher um vazio. «Há muitas coisas semelhantes no mercado», mas um olhar aguçado nota a diferença. «Casas como a Zara e a H&M já fazem réplicas de roupa do passado – mal feitas. O Zé André segue à risca as qualidades técnicas que as outras [camisas] tinham.»

Zé André Figueira compra a roupa vintage de que é apreciador sobretudo pela internet. «Está tudo muito adulterado nas lojas. E banalizado. Nunca me senti tanto na moda como agora», comenta. «As camisas fazem tanto parte do universo do rock’n’roll como uma boa guitarra. » As palavras são do músico Toni Fortuna, 46 anos, antigo vocalista dos Tédio Boys, atualmente nos Mancines, braço direito de Zé André nesta aventura. A coleção Route 23 era composta por camisas de sete cores e três padrões, um deles formado por mesas e televisores. A mesa que serviu de modelo está na sala de Toni. É ele que ajuda no desenvolvimento dos padrões e em toda a parte gráfica, incluindo o logótipo da marca e os cartões. Nestes últimos está desenhada uma lata de óleo, em homenagem ao avô paterno do criador: José Figueira teve um posto de abastecimento de combustível.

A parceria entre os dois músicos manteve-se na segunda coleção de camisas, colocada à venda neste mês [outubro]. Sem nome específico, vem no seguimento da Route 23, com corte e acabamento do tecido idênticos, mas «uma linguagem mais próxima do estilo atomic», explica Zé André. «Tentei virar-me mais para os elementos puristas da época, o tipo de grafismo dos fifties.» Regressam os temas espaciais e do movimento do átomo. As novas flap pocket, com preços entre 65 e 105 euros, têm todas padrões – seis diferentes. O desenho esteve mais uma vez a cargo de Toni Fortuna. Rock on.