As coisas com rede

Dispositivos capazes de reconhecer estados de espírito, eletrodomésticos que se adaptam aos gostos dos donos, casas inteligentes conetadas à web. O conceito chama-se internet das coisas e está a ser explorado em várias áreas, da saúde à economia e ao desenvolvimento social. O especialista da Microsoft esteve em Portugal e explicou como funciona.

QUEM É JOSH HOLMES
Ocupa o cargo de architest evangelist na Microsoft, onde trabalha desde 2006, e é o especialista em internet of things (internet das coisas). Trabalhou como consultor especializado em algumas das maiores empresas listadas na Fortune 500 e participa frequentemente como orador em conferências internacionais sobre o desenvolvimento de software e tecnologias web.

A internet das coisas – internet of things (IoT) – foi criada por investigadores do MIT nos anos 90, mas só agora está a tornar-se conhecida. O que é e para que serve?
_A internet das coisas é um conjunto de dispositivos tecnológicos, «coisas», que colaboram, cooperam, ligados entre si e que trabalham como um sistema único. Ligar o nosso smartphone a um termosta­to? É giro. Mas isso não é um sistema in­teligente, não vai melhorar a minha vida por si só. É aí que a IoT se torna relevan­te. Não quero apenas controlar o termos­tato com o meu telefone. Quando entro em casa, quero que a IoT me reconheça, que ponha a tocar blues ou funk na apa­relhagem, que aumente a luzes, que dê um ambiente de festa à sala porque per­cebeu o meu bom humor. Ou então que reconheça a minha dor de cabeça e di­minua um pouco as luzes. Ou seja, que­ro que se adapte a mim. O carro inteli­gente é um exemplo fantástico: o que se pretende é que o ecossistema automóvel funcione como um todo para agir como um sistema em que todos os carros, todas as estradas, todos os sensores trabalhem juntos para tomar decisões que melho­ram a minha condução, o meu conforto, a minha segurança. Trata-se de tecnologia a trabalhar em conjunto para ter impacto na minha vida.

Por que razão só agora chegou em força?
_Porque os dispositivos estão a ficar cada vez menores, mais capazes e mais bara­tos. E porque a computação na cloud cres­ceu bastante, o que é essencial para lidar com esta carga, uma vez que uma empre­sa, por si só, não tem os recursos para li­dar com esta quantidade de dados.

Mas será que precisamos verdadeiramen­te da IoT?
_Vejamos novamente o exemplo do car­ro inteligente: posso monitorizar a saú­de do meu carro usando apenas os meus conhecimentos de mecânica, mas ajuda muito se receber o conhecimento de mi­lhares de outros carros e mecânicos no mundo. A combinação do conhecimento que eu tenho do estado do meu carro com a experiência de milhares de outros car­ros pode ajudar a resolver de forma proa­tiva o problema.

Em que medida podemos confiar na IoT e tirar os seres humanos do circuito?
_Na verdade, depende do tipo de deci­sões que vamos tomar. Não entregaria a responsabilidade de tomar uma decisão moral a uma máquina. Se for uma deci­são moral não acho que possamos passar essa responsabilidade a uma máquina. Há uma cena fantástica no filme iRobot – entre salvar um adulto ou uma criança, o robô salva o adulto porque percebe que a criança tem menos probabilidade de so­breviver. Um ser humano provavelmen­te salvaria a criança primeiro. Essa é uma decisão humana, não mecânica. Precisa­mos de seres humanos para ajudar a to­mar as decisões morais.

Com a tecnologia a tornar-se cada vez mais inteligente, serão as nossas capacidades de pensar, sentir e agir afetadas?
_Tudo no nosso ambiente nos molda, po­sitiva ou negativamente. Quando éramos pequenos, exigiam-nos uma enorme ca­pacidade de memorização – e a minha memória é realmente muito boa. Hoje, os meus filhos não precisam de memori­zar porque todo o compêndio do conhe­cimento humano está disponível na pon­ta dos dedos, basta-lhes procurar. Isso é bom ou mau? É bom porque acedem a in­formações que eu jamais poderia ter so­nhado. Mas há qualquer coisa de especial e de importante no exercício desse mús­culo que é a memória e o pensamento. Por isso, a resposta é sim: as nossas ca­pacidades vão ser com certeza afetadas. Como? Vai depender dos dispositivos que deixarmos entrar nas nossas vidas e da forma como iremos lidar com eles.

O volume e o pormenor dos dados recolhi­dos podem introduzir novos riscos de priva­cidade. Que efeitos poderão ter?
_Países como a Alemanha têm leis mui­to restritas sobre os dados que nos permi­tem identificar alguém. E, nestes casos, estes dados nem podem «deixar» o país. A maioria dos países europeus não permi­te que estes dados saiam da União Euro­peia (UE). E fora da UE temos ainda dife­rentes modelos. A verdade é que, além da regulamentação, num mundo onde tudo está ligado, a segurança associada a estes dados será tão ou mais importante.

Terão as autoridades poderes capazes de contrabalançar de uma forma eficaz os das grandes corporações que pretendam desenvolver a IoT?
_Existe um lado muito interessante nes­ta questão: na verdade, não são as grandes corporações que estão a fazer os maiores avanços na IoT. São as startups, os milha­res de pequenos inovadores que estão a criar projetos que se ligam a estes am­bientes integrados e a fazer avançar a in­dústria. A IoT não é passível de ser deti­da, ou sequer controlada, por uma só empresa.

Como vai a IoT ser protegida, ou «patrulha­da», contra os piratas informáticos? Haverá uma abordagem consistente às normas de segurança?
_Infelizmente, a curto prazo não acre­dito que isso seja possível. A longo prazo, teremos de ter melhores mecanismos de segurança. Não sei como poderemos con­trolar ou patrulhar. Sei sim, como arqui­teto na Microsoft, que além da regulação precisamos de segurança em todas as fa­ses – desde a criação dos dados (nos senso­res e dispositivos) à segurança daqueles na própria cloud.

Segurança e privacidade são grandes pro­blemas num mundo cada vez mais ligado.
_É importante que todos estejam alerta­dos para os possíveis riscos de seguran­ça e privacidade. É uma tarefa hercúlea. Mas se olharmos para o problema, a ver­dade é que estas questões hoje já existem, por exemplo, com o Facebook. Trata-se de aplicar estes mesmos princípios a todos os dispositivos que estão a surgir.

Quanto estaremos dispostos a arriscar, do ponto de vista da privacidade e da autono­mia pessoal, para poder recolher o potencial da IoT nos mais variados cenários?
_A resposta rápida é: vai depender do quanto conseguimos obter de volta com a tecnologia. Por exemplo, disponho-me a dar um grande número de informação ao Facebook porque me permite ligar-me a pessoas. O mesmo princípio aplica-se à in­ternet das coisas.

Como pode a IoT ser regulamentada?
_A regulamentação será um tópico difí­cil, porque a internet das coisas não está, nem estará, sob o controlo de uma só em­presa, de uma só jurisdição. Se pensarmos numa escala semelhante, como podemos regulamentar a humanidade como um to­do? Não sabemos. Acredito que, no curto prazo, a maioria dos cenários na IoT irá recair sobre a regulamentação existen­te, e os dados que pertencem a um indi­víduo (a sua casa, os seus dados médicos, entre outros) ficarão sob a jurisdição do seu país.

Que oportunidades apresenta a IoT? Que im­pacto terá no mercado de trabalho e de que forma é que o podemos preparar?
_A tecnologia afeta sempre o mercado de trabalho. Foi assim nos últimos cem anos, será assim nos próximos cem. Dou o meu exemplo: venho de uma família de agricul­tores, de há centenas de anos para cá. Há não muitos anos, eram necessárias dezenas de pessoas para preparar o campo, plantar as sementes, colher os alimentos, transpor­tá-los. Hoje, bastam três ou quatro pessoas para gerir milhares de hectares. Às dezenas de pessoas que deixaram de executar essas tarefas conseguimos dar-lhes novas oportunidades, novas ferramentas, passaram a focar-se nas coisas importantes. Acredito firmemente que hoje os novos trabalhos e as novas oportunidades são criados a uma velocidade cada vez maior em resultado das inacreditáveis ferramentas que qual­quer pessoa tem em sua posse.

O futuro da IoT: será mais uma moda ou veio para ficar?
_A tecnologia nos pequenos, pequeníssi­mos dispositivos irá ficar cada vez mais po­derosa e barata, e a computação na cloud irá continuar a desenvolver-se e a crescer co­mo a plataforma que liga todas estas «coi­sas». E será cada vez mais acessível. Se con­tinuará a chamar-se internet das coisas ou se mudará de nome, não sei. Mas sei que os dispositivos que trabalham em conjunto para melhorar as nossas vidas serão o futu­ro. E o presente.

Li recentemente que, em 2017, 90 milhões de pessoas viverão em casas inteligentes e que em 2020 teremos cinquenta mil milhões de dispositivos ligados.  Estes dados estão corretos?
_Não tenho conhecimento certo de núme­ros, mas assumo que estão em linha com a ordem de grandeza que antecipamos.