As burkas que ainda estão do nosso lado

Notícias Magazine

Vejo a notícia esta semana nos jornais: «Mulheres nos con­selhos de administração mais do que duplicaram em 10 anos.» Uau, penso. Grandes progressos. E são, de facto. Mas não o sufi­ciente, descubro rapidamente. Aqui não chega a ser a questão do copo meio cheio ou meio vazio, dependendo da perspetiva. Aqui não há perspetiva que nos valha: os números são péssimos qual­quer que seja o ângulo por que para eles olhamos.

E os números estão aí para quem quiser analisar-lhes o de­talhe: a proporção de mulheres nos conselhos de administração das maiores empresas portuguesas subiu de quatro por cento pa­ra nove por cento, isto segundo um estudo da Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego. O que quer dizer que esta­mos ainda muito abaixo da média europeia: 18 por cento. Metade.

Esta semana, o Dinheiro Vivo mostrava mais pormenores, que não vêm neste estudo mas mostram a situação real com mais clareza. Das 18 empresas do PSI 20, nenhuma é dirigida por uma mulher. Elas estão presentes apenas em 3,7 por cento das direções das cotadas, mas apenas 7,9 por cento dos cargos de chefia estão sob direção feminina.

Estes segundos números são da Organização Internacional do Trabalho e mostram como Portugal está mal colocado na maté­ria: mais precisamente em 40.º lugar, num total de 108 países, ao mesmo nível que o Qatar e o Bahrein. O que só nos pode levar a per­guntar: que factos são esses que nos aproximam de países em que, por lei e tradição, se legitima a menorização das mulheres? O que há de comparável entre os brandos portugueses e os homens desses pa­íses onde as mulheres são obrigadas a cobrir-se com véus e pior?

Eu trabalho numa revista em que contactamos em partes iguais com homens e mulheres, se é que a nossa balança não pende mesmo um pouco mais para o lado feminino do mundo. Eu ando na rua, numa das zonas mais agitadas de Lisboa, numa avenida das mais caras do país – e da Europa – e vejo-as. Às mulheres portuguesas. Seguras delas próprias, muito mais modernas do que há dez, 20 anos. Muito mais bonitas, atrever-me-ia a ir tão longe. Juntas. Separadas. Com homens. Sem homens. Em grupinhos de sorrisos, com conversas sé­rias. De cabelos ao vento. Com cabelos curtos, cortados com coragem. Saltos altos – muitos, muito mais do que dantes, também. Pernas à mostra, sim, muitas, e muito. E tudo isto são sinais de uma força e de uma presença na sociedade que não tem expressão nestes números re­ais e tão duros. Eu diria, até, que não se explica com estes números.

Há uma reflexão a fazer. Onde estão todas estas mulheres? A ver montras? Em casa a coser meias? À espera da hora para ir buscar os filhos à escola? Não é isso que dizem as estatísticas. Mas, aqui também, há um buraco negro. O que acontece às jovens que já dominam os bancos das faculdades? Para onde vão? Ou onde e em que passo do percurso se perdem?

Segundo os dados do Inquérito ao Emprego, as mulheres estão em maioria nos trabalhadores não qualificados (72 por cen­to), no pessoal administrativo (63,3 por cento) e nos trabalhadores dos serviços pessoais, de proteção e segurança e vendedores (63,1 por cento). Depois… bem, depois são também maioritárias como es­pecialistas das atividades intelectuais e científicas (60,4 por cento). E a reflexão a ser feita não pode ficar-se pelo setor privado. Porque apenas 33,7 por cento das mulheres são representantes do poder le­gislativo e de órgãos executivos, dirigentes, diretoras e gestoras executivas, verificando-se até uma ligeira diminuição face a 2012 (-1,4 pontos percentuais).

Há muito para pensar. E muito para fazer. E reparem que não usei nem uma vez as palavras igualdade e paridade.

[Publicado originalmente na edição de 25 de janeiro de 2014]