Os telefones mudaram e nós mudámos com eles. Mas ainda que isto não seja uma novidade, está em permanente atualização: todos os dias surge uma nova app capaz de nos fazer render mais um pouco ao guru pessoal que transportamos dentro do bolso, o smartphone. E se é verdade que parece ter todas as respostas, não podemos esquecer de ir fazendo esta pergunta: estamos mesmo dispostos a depender tanto de um aparelho?
Na era dos smartphones, deixámos de parar para perguntar o caminho, temos a aplicação do GPS. Parámos de usar leitores de MP3, temos a playlist numa pasta ou online. Abandonámos o uso da máquina fotográfica, da agenda em papel, do relógio e do despertador, usamos os do telefone. E já não ligamos aos nossos amigos para saber como estão ou por onde andam, vemos isso com um toque no Instagram, no Twitter ou no Facebook. Quando o smartphone avaria, é roubado, perdido, fica sem carga ou sem rede, é perturbador. Em todos os outros momentos – em que está perfeitamente operacional – também é. Só que nem damos conta. Mas, afinal, quando é que concentrámos uma parte tão grande da nossa vida e da nossa funcionalidade num único objeto?
Um inquérito feito em 2014, pela Hailo – uma aplicação para chamar táxis usada em vários países europeu e asiáticos –, garante que fazer chamadas já aparece em sexto lugar na lista das funções mais usadas. Antes disso está a enviar mensagens, a receber mensagens, a ler e-mails, o browser da internet e o despertador. Sim, fazer chamadas vem depois da função de despertador. Aliás, 40 por cento das 2000 mil pessoas ouvidas garantem que podiam passar sem a função de fazer chamadas. Ou seja, sem telefone propriamente dito. A sondagem mostra também que as aplicações das redes sociais, da calculadora, do calendário e da máquina fotográfica são consideradas essenciais.
A haver um problema, não está neste objeto de culto, mas no sítio do costume: nós. «Pode haver um problema devido às crenças e atitudes que podem desenvolver-se perante o smartphone e não tanto na quantidade de funções do objeto. As novas tecnologias não são o problema em si, o problema é a qualidade do uso que fazemos delas», defende o psicólogo Fernando António Magalhães. «É como se existisse uma ilusão de controlo da vida em função das respostas do smartphone. Quando se instala o hábito, o cérebro cria rapidamente uma ligação neural para executarmos o comportamento que permite reduzir a ansiedade ou obter prazer. É o mesmo mecanismo de ação que existe para todos os outros vícios, a diferença é que aqui, por comparação com o álcool, o tabaco ou as drogas, não existe uma substância química: o relaxamento ou prazer é provocado pelo alívio da informação, da resposta.»
Nesta fase, quando o telefone passa a ser a fonte da qual esperamos que saiam todas as respostas, o problema já se instalou. Há já uma preocupação que o psicólogo define como «irracional e improdutiva» e que se carateriza, por exemplo, em fazer refresh sistematicamente a ver se gostaram do nosso post no Facebook ou se nos responderam ao e-mail ou à mensagem no chat, independentemente da importância do assunto.
Porque é que tantos se tornaram dependentes deste objeto e porque é que, mesmo os que não são viciados, mudaram tanto o seu comportamento? A resposta, acredita o psicólogo João Faria, está no imediatismo que permite. «A tecnologia tem evoluído de forma que as pessoas esperem cada vez menos. E a possibilidade de resposta rápida faz surgir em nós a necessidade de responder depressa.» De resto, esta urgência da prontidão de resposta também mudou a forma como interpretamos o tempo de resposta do outro. «Se enviamos uma mensagem a alguém e a pessoa não responde logo, essa demora também é comunicação: acreditamos que o interlocutor não está disponível, que está a pensar no que dizer ou que ficou magoado com alguma coisa que foi dita», defende o psicólogo coordenador do Núcleo de Intervenção no Uso da Internet e das Telecomunicações do PIN – Progresso Infantil.
Palavras como «vício», «obsessão» ou «dependência» usadas para definir a relação que alguns mantêm com o seu smartphone não são um exagero. No ano passado, a Universidade de Baylor publicou um estudo no Journal of Behavioral Addictions, em que dava conta de que as estudantes universitárias passavam, em media, dez horas por dia agarradas ao telemóvel. Por cá, entre os jovens, as mensagens escritas são o grande vício: de acordo com um estudo realizado em 2012 pelo Instituto Superior Técnico (IST), os jovens portugueses enviam mais de cem mensagens por dia, em média, através do telemóvel. Não somos todos viciados no smartphone, mas que os há, há.
A ansiedade de ficar privado deste já foi batizada e tem direito a uma entrada no dicionário. Chamam-lhe nomofobia, abreviatura de No mobile phone phobia, e é definida como o medo irracional causado pela possibilidade de ficar sem o telemóvel. Vários estudos têm vindo a mostrar que os dependentes apresentam sintomas intensos de abstinência se ficam muito tempo sem receber mensagens ou e-mails. Outros ouvem claramente os avisos de notificação mesmo quando eles não acontecem.
A pensar nos nomofóbicos, houve já uma empresa que criou o noPhone: um mero retângulo de plástico com a dimensão e o formato de um smartphone – mas que não faz rigorosamente nada – com preços a partir dos 12 dólares. Os responsáveis afirmam que alivia a ansiedade gerada pela ausência do gadget verdadeiro e ajuda os portadores a começarem a relacionar-se com as pessoas à sua volta.
Psicólogos, sociólogos, escritores e neurocientistas – bem como metade das publicações do mundo – já fizeram títulos com esta pergunta: «Are smartphones making us stupid?» [Estarão os smartphones a deixar-nos estúpidos?]. Muitos concluem que sim. Que estão a destruir capacidades cognitivas, a tornar-nos mais dependentes, menos produtivos, mais alienados, menos sociáveis. E mais doentes também: mais ansiosos, dizem os psicólogos; com mais dores posturais, dizem os ortopedistas; com mais problemas de sono, defendem os neurologistas. E, por fim, mais desligados dos outros e mais isolados.
Um exemplo ilustrativo: já fingiu estar a falar ao telemóvel para evitar alguém? Não está sozinho. Num estudo com 2277 adultos feito pela Pew Internet & American Life Project, nos Estados Unidos, cerca de 13 por cento admitem (e esta palavra, admite, é importante) já ter simulado conversas telefónicas para evitar contacto com outras pessoas. Entre os entrevistados, com idades entre os 18 e os 29 anos, a percentagem sobe para 30. Conclui também que 42 por cento dos inquiridos recorrem ao smartphone quando estão aborrecidos ou sem nada para fazer.
Fernando António Magalhães atribui este e outros reveses da tecnologia ao nosso facilitismo. «As pessoas procuram o mais rápido, fácil e cómodo através do mundo virtual e livram-se do desconforto e do “trabalho” de lidar com contextos sociais reais. Mas quanto menos agem socialmente, maior vai ser a ansiedade social. É uma armadilha.»
Já João Faria, que lida diariamente com jovens dependentes de tecnologia, acredita que, em muitos casos, o envolvimento excessivo com estes dispositivos está muitas vezes associado à dificuldade em lidar com algumas emoções, sobretudo a tristeza e a raiva. «No que toca à internet e aos videojogos, invariavelmente são jovens que têm uma série de problemas, sobretudo relacionais.»
Mas há um aspeto da relação com o smartphone pelo qual todos somos crucificados: dar-lhe prioridade sobre quem está connosco. Mas por muito irritante que possa ser, privilegiar quem não está presente não é assim tão estranho. Sempre o fizemos, defende João Faria. «Antes dos telemóveis, quando estávamos à mesa, em casa, com a família, e tocava o telefone, o que é que acontecia? Interrompíamos para ir atender. Dar prioridade a quem não está ou chega de novo não é novidade. O que é novidade é a quantidade e a frequência de contactos, que acontece a cada momento. Porque hoje é muito mais fácil.»
PERTO DE SE TORNAR NOMOFÓBICO? EVITE-O A TEMPO
Se verifica constantemente novas mensagem, e-mails ou notificações, se se distrai de todas as conversas cada vez que o telefone faz um som ou está constantemente a ver o que se passa nas redes sociais através do telemóvel, é altura de começar a impor regras a si próprio que o afastem da nomofobia.
Faça todos os meses um dia detox: deixe o telefone em casa (ou se está em casa enfie-o numa gaveta) e tente não lhe mexer o dia todo.
Experimente desativar o som das notificações de e-mail e das redes sociais e deixá-lo apenas para as mensagens escritas e as chamadas.
Defina horas ou intervalos de tempo para consultar as redes sociais ou para navegar na internet e cumpra-as.
Desligue o telefone em alguns momentos ao longo do dia, como enquanto conduz, durante as reuniões ou quando vai almoçar ou jantar com alguém especial.
Proíba-se de usar o telefone imediatamente antes de ir para a cama.
Recebeu uma mensagem ou um e-mail que não são urgentes? Não responda logo.
Se não consegue deixar o telefone dentro da mala ou do bolso, pelo menos deixe-o de ecrã virado para baixo quando o põe em cima da mesa.
Sempre que se sentir entediado e tiver a tentação de pegar no smartphone, resista e ocupe-se com outra atividade.