A lebre, a tartaruga, os limões, os cavalos e os frigoríficos

Notícias Magazine

Detesto os rankings das escolas. Esopo e La Fontaine, mestres da simplicidade, precisariam de juntar à volta destas listagens muitos e variados animais e ainda assim não conseguiriam dar conta da complexidade e da exasperante impossibilidade de fazer comparações.

Posso usar, por exemplo, a velha fábula da lebre e da tartaruga. Todos sabemos a história que valoriza a persistência e a responsabilidade – o «partir no momento certo» – da pesadona tartaruga que derrota a excessiva confiança da leviana lebre, dotada de um corpo que lhe dá velocidade e destreza. Todos conhecemos pessoas mais ou menos assim e já observámos situações idênticas ou que nos fazem recordá-la. Compliquemos a coisa. Juntemos na mesma corrida os outros animais que os dois fabulistas adotaram, diferentíssimos entre si, mais diferentes ainda do que a rápida lebre e a lenta tartaruga. E vamos dar a cada um o seu próprio ponto de partida, e deixá-los competir a andar, a correr, a saltar, a voar, a nadar, a rastejar. Aí está a fábula que poderia ilustrar os nefastos rankings, que nos falam apenas da chegada à meta dos resultados escolares. Há expressões populares para esta possibilidade, como «misturar alhos com bugalhos» e outras que me abstenho de citar.

Logo no início da aprendizagem da mais elementar aritmética ficamos a saber que se adicionarmos seis limões a três cavalos, a soma é seis limões e três cavalos. Vá lá, nove produtos da natureza com ADN extremamente parecido (como havemos de saber mais tarde) mas ainda assim seis limões e três cavalos, sem margem para dúvida. Se lhes juntarmos sete frigoríficos, então o máximo denominador comum será mais difícil de descortinar. Teremos no final seis limões, três cavalos e sete frigoríficos, dezasseis, vá lá, coisas que dificilmente alinhamos na mesma frase.

Volto a dizer: detesto os rankings das escolas, a injustiça implícita nisto de avaliar apenas o ponto de chegada sem ter em conta o ponto de partida nem o caminho nem o modo. Claro que isso não me impede de ir bisbilhotar as listas para verificar onde andam as escolas que por alguma razão conheci, espreitar nomes com aquela curiosidade inconsequente com que folheio páginas que me falam de casamentos faustosos, de escândalos inventados e outras peripécias para as quais há de haver fábulas menos piedosas. La Fontaine, aliás, escreveu uma série de historietas com que caricaturou e desmascarou as gentes da época, muitas delas envolvendo padres e freiras. No final da vida, hélas, rejeitou-as a conselho do padre confessor.

Compreendo o desejo de dar aos filhos as melhores oportunidades, e entre elas a melhor escola. Sim, compreendo. Mas a vida não é só isso, e de certeza que não é isso que está na base da ideia da escola para todos. Não estou a falar de universidades, isso é toda uma outra história. Podia contar exemplos que vivi pessoalmente, uns dolorosos outros divertidos, patéticos até, mas isso não seria mais do que chover no molhado. Professores que não esquecerei, por bons e maus motivos, cumplicidades e inimizades, tropelias e disparates. E o mesmo multiplicado por três filhos com as suas histórias e ziguezagues.

Detesto os rankings das escolas. Detesto, pronto. E assim de repente lembro-me dos Contos Exemplares de Sophia de Mello Breyner. A vida não está nos clichés e nas versões oficiais. Felizmente é muito mais rica e complicada. E às vezes maravilhosa.

[Publicado originalmente na edição de 20 de dezembro de 2015]