A importância do Pai Natal em 2015

Notícias Magazine

Tinha 6 anos quando fez a primeira viagem oficial. O pai levou-o ao Polo Norte e ele estava muito contente por viajarem juntos e tê-lo só para si, via-o sempre tão atarefado nas suas funções. De visita a um centro de investigação científica e militar, Justin estava já um bocado farto, porque afinal Pierre desaparecia sempre a trabalhar. De repente, foi convocado para uma importantíssima missão ultrassecreta até uma casa no meio da neve e do gelo. Saíram do jipe e o miúdo dirigiu-se à porta da casa, mas o pai disse-lhe que tinha de ir até à janela. Com a manga do casaco limpou o gelo que embaciava o vidro e espreitou lá para dentro. Num escritório muito movimentado, um homem de barbas brancas e roupas vermelhas estava ocupadíssimo a escrever cartas. «Foi nesse momento que tomei consciência do enorme poder do meu pai.»

O pai era Pierre Trudeau, então primeiro-ministro do Canadá. O filho Justin ocupa desde o dia 4 a mesma função, numa subida política fulgurante. O episódio provocou uma enorme gargalhada no funeral de Pierre, em setembro de 2000, na imponente Basílica de Notre-Dame, em Montreal. Foi o momento de aliviar a enorme tensão da perda, do luto, da cerimónia solene que levou ao Canadá Jimmy Carter, Fidel Castro e Aga Khan. O filho falou durante 12 minutos e terminou em lágrimas a citar um poema de Robert Frost e a murmurar Je t’aime papa.

Justin ganhou com mais de 51 por cento as eleições no Canadá, a 15 de outubro, e no dia seguinte foi agradecer às pessoas no metro, dirigindo-se a quem passava para apertar as mãos. Formou um governo que tem tantas mulheres como homens, cujos ministros têm quase todos entre 35 e 50 anos e que tem uma diversidade exemplar que é, ela mesma, uma declaração política.

Escrevo no dia em que é conhecida a vitória eleitoral de Aung San Suu Kyi na Birmânia, o Parlamento da Catalunha vota pela independência e pela primeira vez uma mulher é nomeada embaixadora do Irão. No dia em que está feita a aliança da esquerda em Portugal.

Justin Trudeau é líder do Partido Liberal do Canadá há escassos dois anos. Não é um esquerdista, um radical. É «feminista, com muito orgulho», como disse e repetiu e até espalhou pelo Twitter. Usa o Facebook – em inglês e francês, como canadiano do Quebec que é – para falar diretamente com as pessoas e publica aí fotografias da tomada de posse que vão do momento solene à irrupção na sala dos filhos dele e dos ministros.

Constatamos tantas vezes que os mais novos não se aproximam da política e ficamos a pensar na questão de o voto passar a ser um direito aos 16 anos. O que é que estes jovens sabem de política para poderem votar? Mas mais valia pensarmos se a política tal como tem sido feita não está desfasada da realidade, não envolve rituais e premissas e subentendidos que já são passado. O entusiasmo com que foi acolhida a eleição de Obama, a expetativa que a ação do Papa Francisco desencadeou, tudo isso são sinais de que a política não é um esquema previsível e imutável ao qual temos de subordinar-nos sem perguntas, nem dúvidas, nem golpes de asa.

Justin Trudeau, 43 anos, deu prioridade às questões ambientais e, não por acaso, confiou-as a Catherine McKenna, 44 anos, ministra do Ambiente e das Alterações Climáticas. Ele próprio ficou com a pasta da Juventude. Por que é que Justin age assim? A resposta dele é a melhor e, bolas, aplica-se a tanta coisa pelo mundo fora: «Porque estamos em 2015.»

[Publicado originalmente na edição de 15 de novembro de 2015]