A corista que passava férias com a Dama de Ferro

Notícias Magazine

Ela era a loura e era bastante atiradiça para forçar no rímel e no batom. Mas quando lhe pediam para posar nua, Mandy Rice-Da­vies recusava: «Nunca se sabe se uma pessoa não acaba primeiro-ministro.» A outra era a morena e deixava-se fotografar nua, só co­berta pela cadeira virada de costas, as suas pernas suaves e longas cavalgando o tampo e contrastando com a secura das pernas cro­madas do mobiliário sueco, e o seu torso modelado, escondido mas deitando a adivinhar pelo espaldar que descia para a cintura de ves­pa – a foto está no Victoria and Albert Museum, em Londres. Foi o lugar mais alto a que chegou a morena Christine Keeler, quer dizer, descontado o escândalo planetário que ela e a sua ex-amiga loura protagonizaram no princípio da década de 1960, já fez meio século. Uma história que merece ser revisitada, agora que se soube da mor­te de Mandy Rice-Davies, no passado dia 18, aos 70 anos.

Mandy e Christine, a loura e a morena, esta mais bonita, a outra mais inteligente, eram o que com pudor se chamava coris­tas em 1961. Elas tinham o mesmo proxeneta que as pôs a frequen­tar a propriedade, em Buckinghamshire, de William Waldorf Astor II, neto daquele que trocou a América pela Inglaterra por uma ques­tão de honra. Na segunda metade do século XIX, os Waldorf Astor eram o que havia de mais parecido com a nobreza em Nova Iorque. Havia os Vanderbilt, os Rockefeller, os novos ricos, e havia os Wal­dorf Astor. Estes é que diziam quem era quem: se a lista da elite no­va-iorquina era de 400 pessoas, era porque o salão da mansão dos Waldorf Astor, na Quinta Avenida, tinha capacidade para 400 pes­soas. Um dia, o primeiro dos William Waldorf Astor, então o ho­mem mais rico da América, pediu à sua tia Lina que deixasse de se chamar «Mrs. Astor» porque, «a Mrs. Astor» era a sua mulher.

Azar, a tia Lina era quem mandava no tal salão de 400 lugares, era ela que assinava os convites para os saraus e jantares e, natural­mente, ganhou a guerra. O homem mais rico da América pegou nos seus mais chegados, partiu e tornou-se britânico, lorde e visconde Astor. A mansão foi arrasada para se fazer o primeiro dos Waldorf Astoria Hotel e construiu-se depois nesse local o Empire State Buil­ding. Os americanos também têm terríveis guerras de primos ricos, não fica pedra sobre pedra. Mas, com eles, volta-se a reconstruir.

Bom, voltando às festas de 1961 e 1962. Mandy, de 17 anos, dor­mia com o novo visconde Astor, cinquentão e casado, e Christine, de 19, dormia com John Profumo, casado e ministro da Guerra. Esta úl­tima relação era pouco prudente: Christine Keeler esquecera-se de dizer que também era amante do adido naval da embaixada sovié­tica Yevgeny Ivanov. Quando se soube, vivia-se a crise dos mísseis de Cuba, o ponto mais crítico da Guerra Fria, a Inglaterra viveu a sua guerra escaldante, a crise das misses. O escândalo Profumo deitou abaixo o governo de MacMillan. Christine Keeler tornou-se uma fa­mosa passada, falhada como os seus livros de memórias. Trinta anos depois, um jornalista levou-a a jantar com o amante russo, em Mos­covo, para lhe ouvir o balanço: «Sozinho e triste», disse ela. Disse-o em tom de quem se olha ao espelho e não gosta do que vê.

À loura Mandy, no pico do escândalo (que foi a tribunal por causa do proxeneta), um advogado disse-lhe que o visconde Astor negava ter dormido com ela. Respondeu: «Bem, ele diria isso, não di­ria?» Além de respostas cínicas, ela tinha frases irónicas: «Tenho uma natural aversão à infelicidade.» Mudou de nome, casou-se três vezes, a última em 1988, tornando-a Marilyn Foreman. Ken Fore­man era administrador de uma empresa, a Attwoods, onde tinha por colega e principal amigo Denis Thatcher. Os dois casais – soube-se agora na morte de Mandy Rice-Davies – passavam as férias juntos.

Bem fazia ela em não querer fotos nua. Nunca se sabe se uma amiga, ex-primeira-ministra, acabaria por se chocar.

[Publicado originalmente na edição de 28 de dezembro de 2014.]