50 anos a construir sonhos

É uma longa novela, a da cadeia televisiva Globo, fundada a 26 de abril de 1965. Em Portugal, o primeiro capítulo só se escreveu em 1977, com a chegada de Gabriela. Como seria o enredo sem ela? E sem a escrava Isaura, o sinhôzinho Malta ou a Tieta?

Ao longo da nossa vida já discutimos violentamente com um Sinhôzinho Malta, apaixonámo-nos por um Jorge Tadeu, fomos seduzidos por uma Gabriela, ficámos fascinados por uma Tieta, conhecemos uma doce Helena e tivemos vontade de arrancar os cabelos a uma Carminha. E ainda nos rimos uma noite inteira com Félix, a Bicha Má. Podemos não ser entendidos em novelas brasileiras e não conhecer estas personagens todas, mas algumas deverão fazer soar uma campainha. O império da Globo, a cadeia televisiva brasileira na qual todos estes nomes nasceram, foi fundado a 26 de abril de 1965 e completa hoje meio século de existência. Portugal, na altura com os horizontes enclausurados por um regime fechado, apenas começou a saborear o sotaque brasileiro e a deleitar-se com as imagens do morro Pão de Açúcar e de Copacbana doze anos mais tarde.

Em maio de 1977, o país ainda sentia as réplicas do terramoto da revolução de abril. A liberdade habitava a boca de quem tantos anos esperou por ela. Para outros, principalmente nos meios rurais, havia ainda uma resistência a todo este admirável mundo novo. E, no meio de tudo isto, um sopro de frescura. Um vulcão de sensualidade explodia nos televisores. Eis que surgia Gabriela, com cheiro a cravo e cor de canela. E, com ela, toda uma outra revolução.

«Gabriela é a alteração do paradigma dos programas chatos, de regime, que existiam na TV na primeira metade dos anos 1970», diz o psicólogo José Carlos Garrucho. «A novela fez abanar as mentalidades. Foi quase uma sensação de voyeurismo. Isto estava num cinzentismo de tal ordem que toda a gente queria fazer uma revolução qualquer. E essa foi uma dimensão importante da nossa revolução. Tão importante que até as elites políticas se entregaram à novela.» Edite Estrela que o diga. A antiga eurodeputada do PS recorda-se bem da febre Gabriela que atingiu todos os setores da sociedade, incluindo a política. «Tinha muita qualidade, não só porque o texto de base era bom, mas também porque era muito bem feita. De tal maneira que quase havia interrupção nos trabalhos das pessoas para conseguirem ver a novela. Nem os líderes partidários prescindiam de ver a Gabriela, independentemente do que estivessem a fazer. Portugal parava. Foi um marco televisivo. Graças ao seu êxito, abriram-se as portas para que a população portuguesa aderisse a outras novelas.»

DESCALÇA, CABELOS LONGOS, ondulados, adornados com uma flor, vestidos soltos, decotados e acima do joelho, postura descontraída, ingénua e sensual. A protagonista da história criada por Jorge Amado conquistou as portuguesas e os portugueses de forma distinta. Se para grande parte dos homens era fantasia libidinosa e fonte de desejo com traços tropicais, para as mulheres a personagem interpretada por Sônia Braga representava uma mudança no papel feminino na sociedade, até então sufocado pela ditadura e conduzido pela religião. «A nossa cultura primava por tapar, por não expor e não exibir», diz a sexóloga Marta Crawford. «Esta exposição feminina da Gabriela começou por ser criticada, mas depois percebeu- se que era apenas uma forma mais descontraída de estar na vida.»

O caminho não foi linear e teve a resistência, até mesmo a rejeição, das alas mais conservadoras. «Nos primeiros anos não se via com bom tom. Uma mulher que mostrava o seu lado mais sensual era uma “oferecida”. O aparecimento na TV de um conjunto de mulheres com estas caraterísticas fez que se despertasse o lado feminino mais sensual. Quando as coisas são faladas e mostradas, as pessoas percebem que afinal podem ser aceites. Desperta, ou pelo menos inquieta, as mentes mais conservadoras»,  diz a sexóloga.

Se hoje a exibição de cenas de nudez e de erotismo já quase não precisa de ser acompanhada da bola vermelha no canto do ecrã, na década de 1970 não era bem assim. Para alguns, Gabriela foi uma lufada de ar fresco, mas foi também um «choque para algumas famílias», que na altura chegaram a «interditar o horário da televisão aos mais jovens», diz Isabel Ferin da Cunha, professora associada da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, coordenadora do Observatório Ibero-Americano de Ficção Televisiva e autora do estudo As Telenovelas Brasileiras em Portugal. «O país estava fechado, o papel da mulher era muito tradicional, havia toda uma questão relativamente ao casamento, ao divórcio e à possibilidade de as mulheres terem o domínio do seu corpo e da sua sexualidade.»

O sexólogo Santinho Martins, por seu turno, considera que «não se pode apenas atribuir a Gabriela a mudança de comportamentos que houve» ao nível da sexualidade. «Não nos podemos esquecer de que houve o Maio de 68, que foi muito importante para todos nós em Portugal. Por essa altura, também começaram a surgir as revistas e os filmes eróticos e pornográficos. Além disso, se não fosse o 25 de Abril não tinha vindo a Gabriela. A conjugação de todas estas circunstâncias levaram a modificações do pensamento e dos comportamentos sexuais.»

Mas podemos então dizer que existiu um Portugal antes e outro depois da chegada da ficção da Globo? Isabel Ferin Cunha não duvida. «Para alguns é difícil aceitar que um produto exterior tenha sido um fator determinante na alteração dos gostos e dos comportamentos nacionais», mas a verdade é que nunca mais olhámos para um televisor da mesma forma. Gabriela foi apenas o abrir da caixa de Pandora. «As telenovelas vieram alterar os conteúdos e mostraram comportamentos e realidades que os portugueses não estavam habituados a ver», diz a especialista.

Ainda assim, o que levou e ainda leva o público a deixar-se seduzir pela ficção, explica Catarina Duff Burnay, investigadora na área dos media e coordenadora da licenciatura em Comunicação Social e Cultural da Universidade Católica, prende-se com «a ideia da projeção ou da identificação» com as personagens e com a história que é contada. Independentemente da época em que são criadas, cada personagem podia perfeitamente existir no mundo atual. São causa e consequência. Se, por um lado, refletem a sociedade, por outro a própria sociedade acaba por se apropriar de alguns dos elementos retratados neste formato televisivo. «A telenovela trouxe para o grande público modelos de conduta e modelos culturais ao nível do relacionamento», diz o sociólogo José Barreiros.

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Tieta

A CHEGADA DAS TELENOVELAS BRASILEIRAS a Portugal trouxe uma nova forma de entender o mundo. E de falar também. A língua portuguesa foi subitamente invadida por um tom mais melódico, quase cantado, soprado ao ouvido dos espetadores a cada diálogo. «Cafajeste» em vez de «sacana», «oi» em vez de «olá» e «bumbum» em vez de «rabo» foram algumas expressões importadas do Brasil. Hoje, 165 novelas da Globo exibidas em Portugal depois, já quase não damos por elas, mas entraram no nosso léxico.

Além do sucesso inerente às telenovelas produzidas pelo gigante brasileiro, a linguista Edite Estrela ressalva o facto de se tratar de «uma forma de falar bastante sedutora, que ficava facilmente no ouvido, pelo que as pessoas tendiam a reproduzir essas formas de dizer porque também algumas personagens passaram a ser usadas metaforicamente no falar quotidiano».

Ricardo Pereira trabalha há 12 anos para a Globo. A primeira telenovela que fez foi Como Uma Onda, desde então já entrou em mais cinco ficções brasileiras. O ator português de 35 anos considera que a vinda da telenovela brasileira nos ensinou a «entender o sotaque do país irmão da melhor maneira». «A Globo tocou-nos nos ouvidos de forma diferente, como nós nunca o fizemos com as nossas novelas.

Foi preponderante para entendermos os nossos irmãos», sublinha. Edite Estrela realça o facto de, em alguns casos, sobretudo quando eram novelas que se passavam no Nordeste do Brasil, «determinadas expressões que tinham sido muito usadas em Portugal no século xix e que depois caíram em desuso voltaram a ser usadas. O “inté”, por exemplo.» Ainda assim, a linguista considera que «hoje ficou muito pouco», uma vez que «a própria língua se encarregou de eliminar aquilo que não fazia falta, que era puro modismo, datado, que teve o seu impacto num determinado momento, mas que depois se deixou de justificar. Talvez esteja relacionado com o facto de a própria telenovela brasileira ter perdido influência a favor das novelas portuguesas.»

Mas há mais fatores a ter em conta, além da língua, ao tentar analisar a influência das novelas brasileiras na sociedade portuguesa. A moda, por exemplo. No Brasil, atrizes e atores da Globo são verdadeiros ícones de estilo. Uma peça de roupa ou um acessório usado por uma personagem rapidamente se tornam uma tendência. Isabel Ferin da Cunha realça o facto de isso também ter acontecido em Portugal na altura em que as novelas brasileiras começaram a ser exibidas. «Mudaram os penteados, por exemplo. As mulheres usavam o cabelo como as atrizes e as suas personagens.»

O facto de se tratar de um produto muito visto faz que a telenovela tenha um grande poder na forma como as pessoas se vestem. «É uma terapia para a maior parte das pessoas. Durante aquela hora ficamos ausentes dos nossos problemas e entranhamo-nos no enredo da novela. Ao absorver as personagens absorvemos também o seu guarda-roupa», diz o estilista Miguel Vieira. O biquíni brasileiro, o caicai e as havaianas foram algumas peças que a Globo ajudou a popularizar no nosso país. «Sem dúvida que nesse aspeto houve uma influência muito grande», frisa Ana Salazar. «As novelas influenciam imenso o nosso gosto.»

No campo da gastronomia também se verificou uma mudança, que acabou por se perder com os anos, constata o chef Rui Paula. «Houve um boom dos rodízios, que agora estão todos na falência. Na altura, foi por culpa das novelas, que mostravam muito os churrascos, as picanhas, o feijão-preto e o arroz», diz o jurado do programa da TVI MasterChef Portugal.

SE AS NOVELAS PORTUGUESAS hoje têm mais público do que as brasileiras, a avaliar pelos índices de audiência, muito o devem aos produtos vindos do outro lado do Atlântico. E muito evoluíram desde a estreia de Vila Faia, a primeira telenovela portuguesa, em 1982 (até esse ano, já tinham sido exibidas por cá nove novelas brasileiras). «O meu sonho era que Portugal conseguisse imitar a Globo na aposta na qualidade, para que pudéssemos competir com eles», diz a atriz Lídia Franco. «Tudo depende do material que nos derem para trabalhar. E a verdade é que há atores em Portugal que são tão bons que até conseguem fazer milagres.»

«Era necessário que houvesse competição para que as novelas portuguesas melhorassem. E a verdade é que hoje a ficção portuguesa está muito melhor. Não tenho dúvidas de que está ao nível de qualquer outra emissora à volta do mundo», destaca o realizador brasileiro Atílio Riccó, que já fez novelas na Globo e trabalha desde 2001 para a editora portuguesa Plural. Ricardo Pereira, diretor da Globo Portugal, completa: «A presença de produtos da Globo cá modernizou muito o formato televisão e ajudou a que a TV portuguesa refletisse mais rapidamente a sociedade. O processo que no Brasil demorou quase cinquenta anos, aqui foi feito em vinte e poucos.»

Desde cedo que atores portugueses tiveram oportunidade de experimentar a ficção brasileira. Laura Soveral foi a primeira, em 1976, ao lado de Tony Correia, em O Casarão. E ainda hoje se recorda do que por lá encontrou: «Estava tudo organizado ao pormenor, com uma correção de métodos infalível. Aqui, ainda estávamos na pré-história. E a verdade é que as metodologias da Globo mudaram muito a forma de fazer novelas. Agora, nota-se que começaram a ser formatos repetitivos, e isso está também a acontecer com as nossas, porque fomos atrás deles», realça. Também Suzana Borges teve a oportunidade de participar numa novela da Globo, Pedra sobre Pedra, em 1992, e encontrou «uma enorme máquina de produzir ficção». «Têm uns horários muitíssimo mais racionais em relação ao trabalho, assim como o investimento físico e emocional. E é muito interessante ver o empenho que os atores brasileiros têm a representar. A Globo tem muito essa preocupação de informar através da ficção.»

A qualidade do texto, de resto, é outra das caraterísticas enaltecidas pela crítica. «Antes dos atores, a novela é conhecida pelo seu autor», diz Maria Immacolata Lopes, professora da Universidade de São Paulo (USP) e coordenadora do Observatório Ibero-Americano da Ficção Televisiva (Obitel). «E numa novela, que no meu entender é uma narrativa de uma nação, tem de haver uma convergência de ideias por parte de quem escreve o texto. O autor tem de entender e representar situações com que o público se identifique, até porque, cada vez mais, este também é um coautor de histórias.» Rui Vilhena, autor de várias tramas de sucesso em Portugal e que escreveu recentemente a novela Boogie Oogie para a Globo, diz mesmo que «o texto é a base de tudo». «O marketing social nas novelas já está na cabeça do autor quando ele desenha a história que quer contar.»

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Abordar temas fraturantes da sociedade é outra prática comum da Globo. Corrupção na política (Bem Amado, em 1973), iliteracia (Salvador da Pátria, em 1989), maternidade de substituição (Barriga de Aluguer, em 1991) ou, mais recentemente, o tráfico humano (A Guerreira, 2012) serviram de âncora para estas narrativas. «As novelas refletem algumas das grandes questões da sociedade. As equipas de guionistas no Brasil são compostas por pessoas com grande formação cultural, no jornalismo, na literatura, e essas pessoas mergulham na sociedade e descobrem os seus problemas. Em Portugal, às vezes, tentamos fazer uns guiões sem esse mergulho na sociedade real», diz Isabel Ferin da Cunha.

O futuro, de resto, passa por aí, pela globalização dos temas. «Estamos agora perante este fenómeno da sociedade, a cultura global, e isso vai lançar novos desafios, novas respostas para quem escreve. Hoje é fundamental trabalhar a questão da interculturalidade e do global», diz Maria Immacolata Lopes. Até porque é essa uma das bases do sucesso. E, provavelmente, baterá recordes de audiência a novela que mostre realidades como a luta pela vida dos emigrantes que cruzam o Mediterrâneo em busca de oportunidades ou as decisões médicas polémicas de mulheres de Hollywood como Angelina Jolie. Até porque a realidade está cada vez mais estranha do que a ficção.

PERSONAGENS MARCANTES

GABRIELA
Perfume de cravo, cor de canela. Eram estes os traços principais da imortal personagem de SÔNIA BRAGA que conquistou os portugueses em 1977. Dois anos antes, quando Gabriela se estreou no Brasil, tornou-se um ícone sexual e a atriz assumiu que interpretá-la mudou a forma como se olhava ao espelho.

ISAURA
A luta da escrava branca que sonha tornar-se livre emocionou os portugueses que, em 1978 (no Brasil estreou-se em 1976), seguiram a história protagonizada por LUCÉLIA SANTOS. Já passaram quase quarenta anos, mas a atriz – que à época recebeu o título de «namoradinha do Brasil» – continua a ser recordada pela personagem d’A Escrava Isaura.

SINHÔZINHO MALTA
«Tô certo ou tô errado?» A pergunta que LIMA DUARTE imortalizou foi ouvida, pela primeira vez, em junho de 1985. Juntamente com a viúva Porcina (Regina Duarte), são uma das duplas de maior sucesso das novelas brasileiras. Roque Santeiro era uma sátira à exploração política e comercial da fé popular.

ODORICO PARAGUAÇU
Candidato a prefeito, a personagem interpretada por PAULO GRACINDO captou os eleitores ao prometer-lhes a construção de um cemitério. Imortalizou expressões como «Botando de lado os entretantos e partindo pròs finalmentes.» O Bem Amado (emitida no Brasil em 1973, mas apenas em 1984 em Portugal) foi a primeira novela a cores produzida pela Globo.

TIETA
BETTY FARIA tinha já uma carreira construída quando, em 1989, aceitou o desafio para ser protagonista de Tieta. A mulher que fugiu do conservadorismo de Agreste voltou, 25 anos depois, rica e pronta para mudar a cidade. A personagem foi um sucesso, levando a atriz a lançar a marca de vestuário Tieta by Betty Faria.

EDU
Num registo cómico, o empresário que acabou por se casar com a mulher que outrora desprezara, Maria do Carmo, era disputado também pela madrasta. Ao longo de Rainha da Sucata (1990) separam-se, mas acabam juntos. TONY RAMOS e Regina Duarte ainda hoje são recordados pela dupla.

JORGE TADEU
O «retratista» sedutor, interpretado por FÁBIO JÚNIOR, deixou várias mulheres encantadas. Morreu no 30.º episódio de Pedra sobre Pedra (1992), mas, durante toda a história, continuou a surgir, em espírito, a quem comesse uma flor. A trama resultou de uma coprodução da Globo com a RTP.

HELENA
Em todas as novelas do autor Manoel Carlos há uma personagem com o nome de Helena. Esta, de Laços de Família (2001), interpretada por VERA FISCHER, vê a filha, que lhe tinha roubado o namorado, sofrer de leucemia. Amor de mãe e lágrimas com fartura.

BRUNO MEZENGA
Filho de imigrantes italianos que fizeram fortuna graças à criação de gado e plantação de café, Bruno (ANTÓNIO FAGUNDES) apaixonou-se por uma jovem, filha de uma família rival. A história de O Rei do Gado, aliada à luta pelo poder da terra, conquistou os espetadores em 1996.

CARMINHA
Um dos mais recentes fenómenos da Globo, Avenida Brasil (2012) tinha como protagonista esta vilã, interpretada por ADRIANA ESTEVES, mulher pobre que não olhou a meios para atingir os fins. Tornou-se um caso de sucesso nas redes sociais, com várias páginas criadas em torno do perfil.

O FUNDADOR
Roberto Pisani Marinho nasceu a 3 de Dezembro de 1904 no Rio de Janeiro. Filho mais velho de Irineu Marinho Coelho de Barros, fundador dos jornais O Globo e A Noite, começou a trabalhar como jornalista com 21 anos. Meia década depois, tornou-se diretor chefe d’O Globo. Em 1944 lançou a Rádio Globo do Rio de Janeiro, que mais tarde se tornou o Sistema Globo de Rádio. Em 1965 lançou a TV Globo, inicialmente no Rio de Janeiro, conquistando depois o resto do Brasil. Enfrentou uma série de acusações durante o processo, em virtude da alegada participação excessiva de capital estrangeiro na empresa. Em 1993, foi criticado no documentário britânico Beyond Citizen Kane pelas ligações à ditadura militar (1964-1985). A Globo chegou mesmo a intentar uma ação judicial para que o filme de Simon Hartog fosse proibido no Brasil, mas, em 2009, a Rede Record comprou-o e divulgou excertos. Quase 12 anos depois da sua morte, é ainda considerado uma das figuras mais importantes da comunicação a nível mundial. O seu sucesso, segundo o próprio, deveu-se a «trabalho e persistência». «Mas, principalmente, a respeito pelos valores e pelo talento, onde quer que eles estejam», disse numa entrevista. Dizia que não pensava na morte, pois viveu sempre «muito ocupado para refletir sobre esse assunto». Não gostava de perder e só um edema pulmonar o derrotou, em Agosto de 2003, com 98 anos. Hoje, é o filho mais velho, Roberto Irineu Marinho, que ocupa o lugar de presidente do Grupo Globo.

SEGUNDA MAIOR DO MUNDO
A Globo é a segunda maior cadeia televisiva do mundo – apenas superada pela norte-americana ABC – e chega atualmente a mais de 130 países. No Brasil, produz cerca de 2400 horas de entretenimento e três mil horas de informação por ano, o que se traduz em qualquer coisa como quatro longas-metragens por dia. É, por isso, a maior produtora de teledramaturgia do mundo. O Projac, a fábrica dos sonhos, onde são gravadas as novelas, foi inaugurado em 1995, em Jacarepaguá, no Rio de Janeiro, e ocupa uma área de 1,65 milhões de metros quadrados – mais de duzentas vezes superior ao Estádio da Luz, em Lisboa. Aqui estão montadas 32 cidades cenográficas. Por dia, o centro de produção das novelas da emissora brasileira recebe 12 mil pessoas, entre funcionários e visitantes – o restaurante serve mais de 2500 refeições diárias. É também aqui que são produzidos os cenários das novelas, montados e desmontados todos os dias.

DICIONÁRIO
Foram muitas as palavras que entraram na vida dos portugueses graças às telenovelas da Globo. Entre expressões usadas habitualmente do outro lado do Atlântico e outras que os argumentistas criaram para diferentes personagens, o nosso léxico sofreu mudanças. Imagina a sua vida sem dar um «oi» a alguém?

«A COBRA TÁ FUMANDO» «Está lançada a confusão.» A frase tornou-se célebre na novela Sassaricando (1987)
BUMBUM Rabo.
CABRA MACHO Pessoa valente
CAFAGESTE Sacana
CAFUNÉ Massagem na cabeça, carinho
E AÍ? «Como estás?»
ENXERIDA Pessoa intrometida
METIDO À BESTA Alguém que se julga acima dos outros
«MUITA CALMA NESSA HORA.» Expressão celebrizada por Juvenal Antena, na novela Duas Caras (2007)
«NÃO É BRINQUEDO, NÃO.» Expressão que se tornou célebre na voz de Dona Jura, de O Clone (2000)
«NÃO VEM QUE NÃO TEM.» Expressão de negação
«Ô XENTI!» «Oh gente!»
OI Olá
PERIGUETI Mulher oferecida
«POSSO PENETRAR?» Expressão celebrizada pelo professor Astromar Junqueira, de O Roque Santeiro (1985)
PUXA-SACO Lambe-botas/chato
RAINHA DA COCADA PRETA Pessoa que se acha a melhor
«TEÚDA E MANTEÚDA» Amante
«TÔ CERTO OU TÔ ERRADO?» Expressão celebrizada por Sinhozinho Malta, em Roque Santeiro (1975)
TUDO LEGAL? «Tudo bem?»
VEADO Homossexual
«VOU LHE USAR.» Expressão celebrizada pelo Coronel Jesuíno no remake de Gabriela (2012)