Viver no campo

Trocaram a vida agitada pela paz do campo. Um campo cheio de alfazema e onde até as pedras são flores. Teresa Tomé era consultora de uma multinacional, Estêvão Moura era presidente do conselho de administração da Casa da Moeda.

Na reserva de Teresa To­mé, 58 anos, adivinha-se concentração, per­fecionismo e alguma timidez, entrecortados por um apurado senti­do de humor que parti­lha com o marido, Estê­vão Moura, 60, bem-disposto, excelente conversador, a encher a casa e os campos de lavanda e lavandim, onde passa boa parte dos dias, a observar-lhes o cresci­mento, qual pai que mede a altura dos fi­lhos, e a registar-lhes com a máquina foto­gráfica as cores e florações, sob as várias luzes do dia.

A Quinta que hoje é das Lavandas con­quistou-os em 2006, quando procuravam – filhos já criados, um economista, outro engenheiro agrónomo – um lugar onde, sem pressa, pudessem basear o futuro. Castelo de Vide era caro a Teresa desde os tempos em que, no início da sua vida profissional, ali tinha de se deslocar pe­riodicamente em trabalho. A notícia de que para aqueles lados havia uma quin­ta à venda levou-os até lá e, à chegada, a vista do castelo de Marvão, em cima, ao fundo, assim como o facto de o terreno ter exatamente o que precisavam para faze­rem ainda não sabiam bem o quê, fê-los decidir. Compraram-no.

Teresa só sabia que a vida em Lisboa, as constantes viagens e o stress que o traba­lho implicava tinham de levar uma vol­ta. Estêvão apoiava a volta, fosse ela qual fosse, com o entusiasmo que – percebe-se – põe em tudo o que faz. A terra perma­neceu uns anos em «pousio», à espera de conhecer o seu destino.

Ambos economistas, habituados a não tomar decisões precipitadas, a estudar o mercado e resolvidos a apostar na agri­cultura biológica e a controlar todo o pro­cesso, do produtor ao consumidor, des­cartaram as primeiras hipóteses: as ma­çãs e as cerejas. Até que Estêvão, numa noite de verão algarvio, no terraço da ca­sa de férias, pesquisando a internet, des­cobriu as lavander farms, que lhe revela­ram as potencialidades da planta com tradições mediterrânicas e que é um dos cartões-de-visita da Provença, em França.

A partir desse momento eureka, tratou–se para o casal de procurar, reunir e es­tudar toda a informação disponível sobre a planta que em Portugal é mais conheci­da como alfazema: o seu ciclo de cultivo e colheita, os seus processos de produção, as suas possíveis aplicações. Hoje, quatro anos depois, Teresa e Es­têvão são proprietários de uma produção única em Portugal. Cinco hectares de la­vanda e lavandim, vindos de França, que, depois de colhidos, são transformados em óleos, águas perfumadas, cosméticos, bo­lachas, biscoitos, infusões, tisanas e ar­tesanato, que brevemente serão comer­cializados no espaço que a Quinta das La­vandas já possui em Castelo de Vide, na internet e em lojas especializadas com as quais estabeleceram parcerias. «Ainda es­tamos a fazer as últimas experiências com as infusões, as tisanas e os biscoitos e, as­sim que estiver tudo pronto, abrimos o es­paço em Castelo de Vide. Mas só quando estiver tudo pronto. Não quero que abra a meio gás», diz Teresa, determinada, en­quanto Estêvão volta à terra. «Julho é o mês em que a lavanda atinge o seu esplendor. Os campos enchem-se de roxo e as plantas es­tão prontas a ser colhidas para se dar início à destilação através da técnica milenar do arrasto a vapor. É o culminar de um lon­go processo que leva um ano agrícola a concluir», explica o produtor, na destila­ria que se transforma quando chega o mo­mento de entrar em atividade e cujo aroma que liberta, agora intenso, perdurará sua­ve o ano inteiro. Do vaso de destilação, em que são postas as plantas colhidas, sairão através do alambique, para o vaso floren­tino e depois para os garrafões, os hidrola­tos e os óleos essenciais, matéria-prima, entre outros, da linha completa de cos­mética orgânica Lavandae, que inclui 20 produtos e está também já em fase final de desenvolvimento.

A mudança da vida agitada da cidade pa­ra a tranquilidade do campo não se estra­nhou, antes entranhou-se neste casal lis­boeta. «A quinta é um projeto também ele absorvente e embora os ritmos sejam ou­tros, ocupa-nos o tempo todo», diz Estêvão, apoiado por Teresa, «o trabalho aqui nun­ca acaba, há sempre coisas para fazer, coi­sas novas, nada é rotineiro, e quando gos­tamos daquilo que fazemos, fazemo-lo com prazer, damo-nos de alma e coração. Era as­sim também na minha profissão. A diferen­ça é que aqui existe uma paz que não existia em Lisboa». Paz a que Teresa se rendeu mais depressa do que Estêvão, que só há um ano decidiu ficar a tempo inteiro para o arranque da unidade de turismo rural que desenvol­veram em paralelo com a exploração agrí­cola e que no primeiro ano de atividade, en­tre outras distinções, foi já galardoada com o The Green Key, um galardão internacio­nal que promove o turismo sustentável e reconhece as boas práticas ambientais.

«Quando analisámos as novas tendên­cias da ruralidade, percebemos que a hos­pitalidade seria essencial para garantir a sustentabilidade da quinta porque ofere­ceria um retorno mais rápido e constante que permitiria que o projeto tivesse outras características. Considerámos que tínha­mos competências e avançámos. Sempre viajámos muito e essa nossa experiência enquanto viajantes foi fundamental para construir esta casa. Fizemo-la a pensar no que gostamos de receber enquanto clien­tes», diz Estêvão. «Mas estamos sempre a aprender, não é abrir a porta e deixar en­trar as pessoas, dar dormida e pequeno-almoço. É uma atividade muito exigente, é preciso acompanhar, delinear progra­mas, perceber idiossincrasias e necessida­des. A nossa aposta passa muito por enqua­drar a oferta em referenciais de excelência e qualidade», acrescenta Teresa, que diz que Estêvão é a alma do projeto.

Um projeto ao qual têm esperança que os filhos se juntem, até porque às lavandas, ao mel, que também é produzido na quin­ta, e ao turismo rural, que pretendem ex­pandir, vão juntar agora a produção de azeite biológico e DOP Alentejano, para a qual já investiram num olival com 1800 oliveiras e um lagar.

Desafios não faltam a este casal para quem até as pedras são flores. «Está a ver aquelas rochas?», pergunta Estêvão. «Nu­ma das primeiras vezes que cá vim, alguém me disse que não eram rochas, eram aflora­mentos rochosos. E eu percebi quando subi até elas. Alguma vez experimentou a sensa­ção de eterno? Então, venha daí.» E, sim, lá em cima, com a Beira Baixa e as suas serras de um lado, Marvão do outro e o absoluto si­lêncio, apenas quebrado pela brisa da tarde, as rochas ganham outra dimensão. «Aflo­ramentos rochosos» ficaram, com direito a placa e tudo.

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A QUINTA
Teresa Tomé e Estêvão Moura fizeram da Quinta das Lavandas, no Sítio de Vale Dornas, um refúgio perfumado. Com sete confortáveis quartos duplos inspirados na natureza local – Oliveira, Lavanda, Lavandim, Rosmaninho, Giesta, Castanheiro e Carvalho –, a casa reúne todos os ingredientes para uns dias bem passados de paz e descanso. Uma casa de cores alegres, a combinar o rústico com o contemporâneo, onde nos sentimos em casa e onde ao pequeno-almoço é servido sumo de laranja natural, café com leite, bolinhos regionais, doces caseiros, pão alentejano, queijo de cabra, fruta da época, tudo delicioso, tudo simples, tudo autêntico. Lá fora, à espera, a piscina, as espreguiçadeiras, um pequeno spa, o jardim das lavandas, o nascer e o pôr do Sol e as estrelas, muitas, todas, à noite. Quem não quiser sair da quinta, tem muito que fazer, sobretudo descansar e desfrutar, mas também conhecer-lhe os recantos e a produção, acompanhado pela Teresa ou o Estêvão, que explicam, com indisfarçada paixão, o ciclo da lavanda, que de maio a julho está em flor, da terra à destilaria. Para lá do portão, por perto, e a fazer valer a saída há Marvão, Castelo de Vide e Portalegre.

QUINTA DAS LAVANDAS
Sítio de Vale Dornas(Castelo de Vide)
Tel.: (+351) 245919133 ou (+351) 917264655
E-mail: [email protected]
Coordenadas GPS: 39.449118,-7.455897
Quartos duplos a partir de 80 euros (época
baixa) e 90 euros (época alta), por noite
(inclui pequeno-almoço).
www.quintadaslavandas.pt