Algo mudou em mim. Foi uma mudança profunda, estrutural. Como um pilar que estava periclitante, à espera de conserto. Agora, já reforçado e seguro de si, a mudança que opera é discreta aos olhos externos, mas intensa de se viver por dentro. É como se andasse mais direita. Como se o meu centro se tivesse alinhado e alinhado tudo o resto que estava no seu caminho. A postura mudou. O andar mudou. E a forma como se trilha o caminho, também.
Eu sabia que esta experiência iria mudar–me. Quando decidi avançar, sabia que seria daquelas coisas que têm o poder de nos quebrar ou de nos fortalecer, definitivamente. São coisas tão próximas daquele que é o nosso centro, daquilo que somos e que nos define perante nós mesmos, que seria impossível não haver repercussões, uma vez dado o passo de o revelar. O que eu pensava é que o sucesso ou o fracasso da experiência seria medido pelo julgamento que dela fariam os outros.
Não sei por que me importa a ideia que os outros fazem de mim. Mas a verdade é que, durante muito tempo, essa era uma das minhas grandes preocupações. Tanta energia vital gastei eu a procurar representar–me a mim mesma da forma mais franca e honesta possível. Pensava que só assim poderia apaziguar esta necessidade que tenho e que me parece comum a muitas pessoas, que é a de nos sentirmos respeitados e acarinhados. O que percebi é que, por mais que nos esforcemos, haverá sempre quem não entenda ou rejeite aquilo que representamos aos seus olhos. O reconhecimento do facto de que a consensualidade é uma impossibilidade é, ao mesmo tempo, desconcertante e libertador. Ao primeiro embate, poderá parecer que não vale a pena arriscarmos mostrarmos quem somos, porque seremos sempre confrontados com a rejeição. Por medo do que os outros digam, podemos deixar coisas importantes por fazer. Quando me refiro a coisas importantes, não quero dizer que tenham de ser acções de enorme alcance ou magnanimidade. Podem ser coisas que importem apenas a nós.
Confesso que o meu maior medo foi precisamente o da rejeição, quando decidi avançar para um concerto a solo onde mostraria quem fui e quem sou, ao longo de 15 anos, através de canções que foram e são vitais para mim. Se as pessoas não gostassem significaria, julgava eu, que estariam a rejeitar algo que me é tão próximo e que me define tanto, que, no fundo, estariam a rejeitar–me a mim. Mas, no entanto, contra todas as minhas expectativas, quando chegou o momento e tudo aconteceu, no final, aquilo que fez a diferença não foi o que os outros disseram. O que operou a mudança foi uma outra coisa, mais vital e muito mais profunda.
Há coisas com as quais sonhamos que não estão ao nosso alcance realizar. E há coisas com as quais sonhamos cuja realização depende apenas de nós. Muitas vezes, não avançamos por medo. Mas quando finalmente ganhamos coragem de pegar em tudo aquilo que imaginámos e nos deitamos a trabalhar para o tornar realidade, percebemos uma coisa muito simples. Que aquilo que nos muda não é o sucesso ou o fracasso da nossa ventura. Aquilo que interessa não é se os outros gostam ou não. O que percebemos, depois de tudo feito e concluído, é que o importante foi termos tido a coragem de o fazer e a capacidade de o realizar. Perante nós mesmos, não perante os outros, percebemos que somos muito mais corajosos e que temos muito mais competências do que aquilo que pensávamos. E isso fortalece–nos. Dá–nos uma força inquebrável e indomável. Somos capazes de tudo aquilo que nos propomos fazer. Não consigo pensar em nada mais importante e vital do que isto. E foi esta certeza que mudou tudo em mim.
ANA BACALHAU ESCREVE DE ACORDO COM A ANTIGA ORTOGRAFIA
[12-01-2014]