Tempo para tudo

Notícias Magazine

Há um tempo para tudo. Já o dizia a canção de Pete Seeger, Turn, Turn, Turn, citando a Bíblia, mais concretamente, o Livro de Eclesiastes. Como todas as boas lições, esta foi aprendida de imediato, mas só agora, depois de muitos anos, percebi o seu alcance.

Ouvia a minha avó dizer-me que o que será meu às minhas mãos me virá ter. Não posso dizer que seja a afirmação que melhor se aplique à minha vida, no sentido em que sempre tive de trabalhar muito para que o que quer que tenha desejado pudesse vir a acon­tecer, mas há uma parte que é verdadeira. De todas as coisas que de­sejei na minha vida, uma grande parte não aconteceu no tempo em que as sonhei ou desejei, mas apenas quando estava preparada para tirar o melhor partido daquilo que havia desejado.

Se assim não tivesse sido, ter-me-ia tornado cantora profissio­nal aos 15 anos, por exemplo. Na realidade, esperei cerca de 15 anos para que tal acontecesse. Nesse período tive tempo de aprender a cantar, a interpretar, a estar em palco, a falar em público e tantas outras competências obrigatórias ao exercício da minha profissão. Por isso, quando o sonho me bateu à porta, eu estava em condições de o poder deixar entrar e instalar-se comodamente na minha vida.

A lição que dita que tudo acontece no tempo em que tem de acon­tecer e não no tempo em que eu quero que aconteça foi assim apren­dida à custa de algum esforço e muita paciência (de Job). Faltava ain­da o resto da lição. Aquele capítulo que trata não das coisas boas, mas daquilo que ninguém quer ver concretizado na sua vida. Esse dita precisamente o contrário do capítulo das coisas positivas. Se elas apa­recem depois de uma grande espera, as coisas más aparecem quan­do menos se espera. Nem todas, claro. Mas as que maior poder têm de nos abalar, porque não nos deixaram preparar para o embate.

Há um claro problema de timing nisto dos altos e baixos de uma vida. Uns vêm sem avisar, outros tardam em chegar. E quando chegam, vêm a rodos. Aprendizagem ainda mais aprofundada: não só há um tempo para que tudo possa vir a acontecer como há momentos e experiências que parecem caracterizar cada idade, cada década de vida. Não é uma ciência exacta ou um facto comprovado, mas uma impressão que fica após conversas com amigos e família.

Por volta da segunda década de vida começa-se a experimen­tar a idade adulta. Terminados os estudos, é tempo de construir uma carreira profissional. As relações amorosas tendem a ficar mais sérias e à nossa volta os amigos começam a juntar-se ou a casar até que o fazemos também.

Se os vintes são o tempo de celebrar uma certa independên­cia depois de uma curta vida debaixo das asas dos pais e avós, os trintas são o tempo das despedidas. O tempo em que começamos a perceber que vamos ficando sozinhos quando olhamos para trás e deixamos de ver os nossos avós e vemos os nossos pais começar a envelhecer. Ao mesmo tempo, criamos vidas novas ou ajudamos a criar vidas novas. Temos filhos, sobrinhos, primos, filhos de amigos que ajudamos a cuidar. Estamos algures entre quem nos ajudou a ser quem somos e quem precisa de nós para descobrir quem é.

Ainda me falta descobrir que marés me reservam as próxi­mas décadas, mas de uma coisa me convenço. À medida que avan­çamos, uma parte da nossa vida vai ficando pelo caminho e a úni­ca coisa que podemos fazer para combater o vazio que nos deixa é continuar a construir espaço para que a vida que temos possa ir crescendo. Não a deixar mirrar, nem ficarmos presos ao que já passou, mas conservar aqueles pedaços de nós que já só existem na memória e coração. Para tudo há um tempo. Até o tempo de recordarmos outros tempos já passados.

Ana Bacalhau escreve de acordo com a antiga ortografia.

Publicado originalmente da 27 de julho de 2014.