– Não há nada tão pequeno que não possa ser veneno.
– Lá está. Uma frase sensata.
– Meu caro, repare. Como ter medo deste naco mínimo?
– Deste?
– Sim, desse. Minúsculo, não?
– Não é fácil ter medo do que é pequeno, isso é bem verdade. Um sujeito pensa que aquilo que pode pisar é inferior a si. Mas está bem enganado, claro. O perigo não é uma questão de fita métrica. O maior perigo, eu diria, vem até daquilo que não vemos. Do invisível, portanto. Não te podes defender daquilo que não vês, eis o óbvio.
– E o tamanho do invisível?
– Lá está, o invisível é ainda mais pequeno do que as coisas mais pequenas.
– Pois é, tem razão.
– Ou seja, o invisível apesar de tudo tem uma dimensão. O invisível ocupa espaço; pouquinho, claro, mas ocupa.
– Ou seja, em suma: até o invisível pode ser veneno.
– Pois pode.
– Aprender a ter medo do que é pequeno, primeira lição, Excelência.
– Ter medo dos céus e do átomo, eis a pessoa com os medos em equilíbrio
– No fundo, falta-nos uma medicina que contabilize a cobardia lúcida.
– Cobardia lúcida?
– Tenho medo de que uma pedra de grande porte caia em cima da minha cabeça, por isso: quando a pedra cai… eu… desvio-me.
– Cobardia lúcida como um dos elementos indispensáveis à boa saúde.
– É necessário ter equilíbrio em tudo, eu diria, até no pânico.
– Vossa excelência tem um pânico equilibrado, poderia afirmar um médico que fizesse um check-up Geral da Cobardia. Vossa excelência tem pânico do grande e do pequeno.
– Porém, porém, porém.
– Porém?
– Porém, o mais perigoso para o homem, de longe, são as coisas que têm mais ou menos uma dimensão semelhante à sua. Que não são pequenas nem grandes. Que são do seu tamanho.
– Um outro homem, por exemplo.
– Em suma: não há nada mais perigoso do que um humano venenoso.
– Exactamente, Excelência, exactamente.
GONÇALO M. TAVARES ESCREVE DE ACORDO COM A ANTIGA ORTOGRAFIA
[26-01-2014]