O senhor Voltaire e o século XX: Sobre as dimensões do perigo

Notícias Magazine

Não há nada tão pequeno que não possa ser veneno.

Lá está. Uma frase sensata.

Meu caro, repare. Como ter medo deste naco mínimo?

Deste?

Sim, desse. Minúsculo, não?

Não é fácil ter medo do que é pequeno, isso é bem verdade. Um sujeito pensa que aquilo que pode pisar é inferior a si. Mas está bem enganado, claro. O perigo não é uma questão de fita métrica. O maior perigo, eu diria, vem até daquilo que não vemos. Do invisível, por­tanto. Não te podes defender daquilo que não vês, eis o óbvio.

E o tamanho do invisível?

Lá está, o invisível é ainda mais pequeno do que as coisas mais pequenas.

Pois é, tem razão.

Ou seja, o invisível apesar de tudo tem uma dimensão. O invi­sível ocupa espaço; pouquinho, claro, mas ocupa.

Ou seja, em suma: até o invisível pode ser veneno.

Pois pode.

Aprender a ter medo do que é pequeno, primeira lição, Ex­celência.

Ter medo dos céus e do átomo, eis a pessoa com os medos em equilíbrio

No fundo, falta-nos uma medicina que contabilize a cobar­dia lúcida.

Cobardia lúcida?

Tenho medo de que uma pedra de grande porte caia em ci­ma da minha cabeça, por isso: quando a pedra cai… eu… des­vio-me.

Cobardia lúcida como um dos elementos indispensáveis à boa saúde.

É necessário ter equilíbrio em tudo, eu diria, até no pânico.

Vossa excelência tem um pânico equilibrado, poderia afir­mar um médico que fizesse um check-up Geral da Cobardia. Vossa excelência tem pânico do grande e do pequeno.

Porém, porém, porém.

Porém?

Porém, o mais perigoso para o homem, de longe, são as coisas que têm mais ou menos uma dimensão semelhante à sua. Que não são pequenas nem grandes. Que são do seu ta­manho.

Um outro homem, por exemplo.

Em suma: não há nada mais perigoso do que um humano ve­nenoso.

Exactamente, Excelência, exactamente.

GONÇALO M. TAVARES ESCREVE DE ACORDO COM A ANTIGA ORTOGRAFIA

[26-01-2014]