Diz-me o Facebook que me juntei a ele no dia 23 de Agosto de 2007, três anos depois de ele se dar a conhecer ao mundo. Com a Deolinda em força no MySpace, estava ciente da crescente importância das redes sociais na rotina diária de muitos utilizadores da internet e, principalmente, de uma das suas melhores características: o facto de permitir a qualquer músico poder mostrar o seu trabalho a um número maciço de pessoas, sem que para isso fosse necessário grande investimento financeiro ou estar formalmente ligado a uma editora ou agência que tratasse da promoção. Aderi, sem hesitar. E aderiu a Deolinda, também, quase ao mesmo tempo.
Entretanto, recebi inúmeras mensagens e testemunhos de outros em relação ao meu trabalho. Pude relacionar-me com quem me ouve de forma mais próxima e imediata e pude “ouvir” a sua voz. Mas a verdade, para mim, que nem sequer gosto de falar ao telefone durante muito tempo, porque me faz espécie estar a falar com alguém sem lhe ver os olhos, as redes sociais sempre cumpriram mais a função de construção de uma rede de contactos baseada na minha actividade profissional do que de uma rede baseada em relações familiares ou de amizade.
Não é que tenha algo contra quem utilize as redes sociais para fazer amizades. Ou para namorar. Cada qual saberá quais as necessidades que pretende atender quando se inscreve em qualquer rede social. E no que toca a suprir solidões persistentes, as redes sociais parecem ajudar a que ninguém se sinta tão só. Pelo contrário, o que o Facebook parece dar a perceber, passados dez anos, é que, por vezes, nos sentimos demasiado acompanhados. A rotina passou a viver-se frente a todos e a privacidade foi trazida para o espaço público.
Com tanto de nós mostrado à vista desarmada, poderia pensar-se que a solidão iria finalmente ser erradicada, extirpada, extinta. Mas não. Quem, como eu, se sentiu tantas vezes sozinho no meio da multidão, não estranhará que, por vezes, quanto mais acompanhados estamos, mais isolados nos sintamos. Será essa a praga deste século, a solidão provocada pelo excesso de companhia? Estaremos a chegar à conclusão, passados dez anos, que aquilo que nos preenche em relação ao outro não é a partilha superficial de eventos ou acontecimentos mundanos, mas algo que está para além de tudo isso e, por essa razão, fora do alcance de qualquer rede social (digital ou física)?
Parte do problema que encontramos, quando procuramos estabelecer relações ou laços com alguém do lado de lá do ecrã está na premissa que serve de base ao Facebook. O livro que promete colocar-nos cara a cara parte do princípio que a cara que se mostra é mesmo a nossa. Esquece-se, porém, que uma pessoa é uma entidade multifacetada e que, de entre as várias faces que pode mostrar, escolherá aquela que melhor se adequa ao espaço social que pretende criar. Portanto, teremos, com sorte, um retrato muito incompleto do outro que nos fala. E pintaremos, com certeza, um retrato muito incompleto de quem somos a quem nos observa. Até como forma de auto-preservação.
Se dermos todos os pedacinhos que temos de nós aos outros, não sobrará nada de que possamos usufruir. E que privilégio é podermos reservar-nos alguns pedaços de intimidade, alguns bocados de nós e da nossa vida para gozo próprio. Eu sempre fui adepta disso: da criação de uma espécie de Selfbook, que corre em paralelo com o Facebook e que ajuda a equilibrar a nossa necessidade do outro com a nossa necessidade de nós mesmos. É isso. Vamos criar um Selfbook, onde só nós possamos habitar. Talvez assim, acompanhados de nós próprios, nos possamos sentir melhor, no meio da multidão.
ANA BACALHAU ESCREVE DE ACORDO COM A ANTIGA ORTOGRAFIA
[16-02-2014]