Quando o Natal muda e tudo fica na mesma

Notícias Magazine

 

Se fosse analisada daqui a muitos anos, a Notícias Magazine de hoje podia ser um bom documento histórico sobre os tempos que estamos a viver. Estes tempos estranhos e desafiadores, em que o mundo muda mais rápido do que nunca, e se mantém, nas suas estruturas fundamentais. Por um lado temos o Natal tradicional, o que resiste a todas as mudanças, o que nos faz sentir em casa, preserva os valores de sempre – para cristãos e não cristãos – e talvez por isso mesmo seja tão duradouro. Por outro, temos um novo Natal, que se inovou e renovou através das tecnologias.

 

A reportagem sobre as aplicações para telemóvel que, feitas em Portugal, acrescentam um toque digital ao Natal é um bom exemplo de que é preciso que algo mude para que tudo fique na mesma. Na verdade, aquilo que fazemos com estas aplicações – seja listas de compras ou orçamentos – já fazíamos sem ser no telemóvel ou no tablet. Bastava uma folha de papel… E vá lá… alguma imaginação. A integração de todos estes mecanismos no nosso Natal não muda grande coisa. A não ser a nossa percepção de que a vida já não pode continuar, se não forem estes pequenos aparelhos a que estamos sempre ligados.

 

Vamos ver o que vai acontecer este ano com as mensagens natalícias. Depois da febre dos SMS de há uns três ou quatro anos, em que passamos a consoada com o vibrar do telemóvel a interromper cada garfada de bacalhau, veio a maré baixa. Uma ou duas mensagens, vá lá, umas dezenas durante os dias do advento. Mais tarde, chegaram as mensagens coletivas no Facebook. Impessoais mas divertidas.

 

E com tudo isto criaram-se duas coisas novas: uma hierarquia de amigos talvez pouco natalícia, mas bastante útil em matéria de protocolos, havia os chegados, os distantes e aqueles a quem podíamos mesmo chamar amigos – à luz, até, da tabela antiga. Da visita de Natal à mensagem coletiva, assim podíamos distribui-los na tabela de Excel da nossa amizade. Isto não era mau de todo. Permitiu-nos lembrar do Natal a pessoas com quem até nem nos apetecia muito falar, mas que era importante saberem que nós nos recordamos delas e as temos no nosso pensamento. Ao contrário do que dizem os críticos das redes sociais, o mundo evolui mais quando as pessoas se ligam, se cruzam, trocam ideias – seja por que meio for. Aqui a tecnologia é meramente instrumental.

 

Outro novo Natal é o das compras. As compras online. Através da internet, ou aquilo a que se convencionou chamar, numa expressão feliz, comércio eletrónico. As compras online estão a crescer a uma média de 50 por cento ao ano, e conquistam cada vez mais dos sete milhões de portugueses que também são internautas. Em vez de sair de casa e ir às compras em lojas e mais lojas, cheias de gente e com poucas opções, são as compras que vêm até nós, no computador, no tablet, ou, até, no telefone.

 

No fundo, este é apenas mais um movimento de marketing – as marcas querem estar onde estão as pessoas, e se as pessoas passam a sua vida online, então as marcas aparecem-lhes, em anúncios, sob a forma de propostas de venda – algumas irritantes, admitamos. O restante processo tem, obviamente, de ser bem físico. As compras têm de vir parar à nossa porta para que as possamos usar. Mas até isso as tecnologias da informação ajudaram a facilitar.

 

Podemos, portanto, imaginar um Natal digital? Todo imaterial? Em que, sozinhos em casa e através da internet, possamos reservar consoada e prendas? Em que, até, nem precisamos de nos juntar, porque, através da internet e das videochamadas podemos ver-nos uns aos outros sem estarmos juntos? Não! A verdade mais profunda é que nada substituirá um abraço caloroso junto à árvore, um olhar de felicidade de quem recebe o presente que tanto queria, a ansiedade de uma criança que espera toda a noite pelo fechar das luzes e a chegada do pai Natal, um copo de licor a mais, ou as calorias todas para queimar no ginásio. É por isso que é preciso que alguma coisa mude para que tudo fique na mesma. Sobretudo no Natal.

[01-12-2013]