
Diz-se que quem corre por gosto não cansa.Quer isto significar que, se fazemos algo de que gostamos, não percebemos o esforço a que nos submetemos para o fazer e não descansamos enquanto não chegarmos onde queremos. Agora percebo por que ando tão cansada.
Não fazia ideia. Só quando finalmente consegui parar durante mais do que duas semanas seguidas é que senti na alma o quão cansado estava o meu corpo. Exausto pela corrida que durou mais de uma década. Uma maratona, portanto. Eu queria que tivesse sido um sprint, mas, para que pudesse cortar a meta, estava–me destinado correr a maratona e assim o fiz.
Olhando para trás, vejo que não me poupei a esforços. Quando terminei os meus estudos na faculdade, consegui um trabalho a tempo inteiro. Chegou a haver uma altura em que, para além do trabalho e dos concertos com a minha primeira banda, ainda tinha aulas de canto e aulas de pós–graduação. Todas as horas dos meus dias eram dedicadas ou ao trabalho que me permitia subsistir ou ao trabalho que sonhava poder abraçar.
Quando finalmente consegui, pensei que poderia ter algum tempo livre para descansar e fazer algumas coisas de que gosto, mas que não tinha tido tempo de aprofundar ou de fazer com regularidade. Cozinhar, fotografar, ler, estar com a família, passear, «domingar»… Estava enganada. Não só não consegui arranjar tempo para descansar, como descobri que, quando se trabalha naquilo que se ama, a vontade de fazermos coisas e de avançarmos é tanta que acabamos por trabalhar ainda mais.
Como costumo dizer, nunca trabalhei tanto na minha vida como trabalho agora, que sou música. Para além de ser uma profissão criativa, o que por si só significa dedicar horas a fio à criação de algo, implica ainda muitas horas de trabalho técnico, ou seja, de ensaios regulares e de estudo solitário, bem como de pesquisa intensa. Depois, existem aquelas pequenas tarefas que, todas somadas, acabam por encher dias de calendário. Reuniões com a equipa técnica, para pensar e avaliar o conceito do concerto, tanto ao nível do som como ao nível das luzes e da organização de tudo na estrada, reuniões com a equipa de produção/agenciamento, para delinear a marcação de concertos, reuniões com o manager, para ir estabelecendo objectivos e traçando o caminho a seguir, reuniões com a editora e a promoção, para gizar o plano de edição de álbuns. Há ainda outras coisas que, não estando directamente relacionadas com isto de se estar em palco ou de gravar canções, são essenciais no exercício da nossa profissão: dar entrevistas, fazer sessões fotográficas, falar em seminários, palestras, workshops, tertúlias públicas.
E assim, sem me aperceber, a semana livre acaba por corresponder a um dia livre, que é aproveitado para matar as saudades da nossa família e amigos, para tratar de assuntos burocráticos, para arranjar qualquer coisa em casa que precisa de arranjo. Só no final de tudo é que posso dedicar algum tempo a mim. O problema é que, mesmo conseguindo chegar aí, a cabeça teima em não desligar. Pensa–se nos assuntos que estão pendentes, nas coisas que andam a fervilhar aqui dentro, ideias, pensamentos, melodias, palavras.
Só neste ano consegui, pela primeira vez, parar. Durante umas poucas semanas, é certo. Mas consegui. E quando me levantei, um dia, e senti como se me tivessem dado uma tareia enorme na véspera, é que percebi o quão cansada estava. Sabe bem parar um pouco, esticar as pernas e recuperar o fôlego. Não tarda é hora de voltar a correr. Com gosto. E já mais descansada.
ANA BACALHAU ESCREVE DE ACORDO COM A ANTIGA ORTOGRAFIA
[09-02-2014]