Não costumo fazer balanços de fim de ano e resoluções de ano novo. Sempre senti que os ciclos não se traçam tanto pelo tempo de calendário, mas mais pelo tempo psicológico de quem os vive. Mas será, porventura, mais fácil sentarmo-nos a pensar naquilo que fizemos durante o ano, agora que o dito está a acabar, e perceber o que queremos mudar no ano que irá começar.
O ano que passa agora foi feito de vivências novas. Algumas vieram por iniciativa minha, outras nem tanto. Mas se tiver de olhar para a diferença entre onde estava, na mesma altura, em anos passados e onde estou agora, em 2013, diria que houve ciclos que, entretanto, terminaram e outros que se criaram e ainda estão em curso. A mudança opera-se em várias frentes, comuns a tantas outras pessoas, apenas diferenciando-se em circunstância e contexto individual.
Uma das frentes é o bem-estar físico. Faz nesta altura um ano que me inscrevi num ginásio pela primeira vez. Não seria novidade de monta, não fosse a minha relutância em experimentar o típico ambiente de ginásio já aqui descrita anteriormente. A saúde e a idade lá me foram convencendo de que era melhor deixar a teimosia para trás e hoje, munida do leitor de mp3, imprescindível para que possa ter controlo sobre a música que ouço enquanto faço os exercícios, condição sine qua non para a minha frequência de ginásios, lá ando eu a relembrar os tempos em que fazia desporto, na escola. O quanto sofria, enquanto fazia os exercícios, e, ao mesmo tempo, o quão bem me sentia, depois. O corpo e a mente agradecem-me a decisão e o ciclo parece não ter fim à vista.
Com a parte do bem-estar físico resolvida, passo a outra frente tão importante para o bem-estar mental. Todos os dias agradeço por fazer aquilo que gosto. Parece que é cada vez mais difícil conseguir-se viver a fazer aquilo de que se gosta. Por isso, dou graças pelo facto de poder cantar e estar em palco e fazer disso profissão. Sabe ainda melhor ver que, entretanto, algumas das coisas com que sonhava acordada, antes de dormir, vieram a concretizar–se. Cantar com os Xutos & Pontapés, na Festa do Avante! deste ano, foi um dos momentos altos do meu percurso profissional. Cantar com a Deolinda num estádio de futebol, no Portugal ao Vivo, foi voltar aos tempos de secundário, quando os concertos em estádios eram coisa normal e corriqueira. Lançámos um álbum novo, viajámos pelo país a mostrar as canções do Mundo Pequenino e preparamos o próximo passo, que será levar o álbum até ao estrangeiro. Aventurei-me fora da Deolinda. Primeiro, no álbum Voz & Guitarra 2, ao lado de Luís José Martins, da Deolinda, a revisitar uma canção dos Clã e a Estrela da Tarde, de Ary dos Santos e Fernando Tordo. Depois, em concertos a solo, que pretendiam revisitar canções e músicos importantes no meu percurso e que apresentaram o meu universo musical a quem partilhou aqueles momentos comigo.
Mas nem tudo foram ganhos. Há sempre perda, algures, na nossa vida. Perdi uma avó. A única que me restava. Vou acarinhando a sua memória sempre que posso e, de vez em quando, partilho algumas das suas frases icónicas, como «quando morrer, vou deitada» e «a vida é uma roda». A única certeza acerca do futuro que se avizinha é de que continuarei a tentar fazer coisas que nunca fiz e que irei até onde todos estes ciclos e experiências me levarem. «Encontra o que amas e deixa que isso te mate.» A tradução é minha, mas as palavras, não. São de Charles Bukowski. «Find what you love and let it kill you.» Uma resolução não de ano novo, mas de vida. Ou morte.
ANA BACALHAU ESCREVE DE ACORDO COM A ANTIGA ORTOGRAFIA
[29-12-2013]