QUERIDAS FILHAS,
escrevo-vos isto no final de maio de 2014. Carolina, tu tens 21 meses. Madalena, tu tens 4. Hoje, quando saí de casa, uma dormia, a outra brincava com a boneca nova. Vocês estão longe de saber que raio de assunto é este sobre o qual o vosso pai escreve. Se tudo correr bem, serei eu, um dia, a repetir-vos tudo isto – com uma ou outra correção, admito. Se alguma coisa correr mal, porém, aqui fica, para memória futura. Vou pedir à mãe para guardar isto. E às tias também. Por uma razão simples: esta é uma das mais importantes chapadas de realidade que vocês vão apanhar. Mal por mal, que seja o vosso pai a dá-la. Podem ficar magoadas comigo o resto da vida. Ou agradecer-me.
Aqui vai: preparem-se para repetir muitas coisas na vossa existência. Nem todas serão boas. Nem todas vos farão sentir bem. E, muitas vezes, vocês acharão que já deviam ter aprendido. Em vez disso, vão persistir nos mesmos erros. Sobretudo no campo dos afetos. E das emoções. E do sexo. Sim, falo de sexo – por favor não leiam isto antes dos 17 anos.
Por muito que aprendam, vocês vão voltar a fazer, uma e outra vez, as mesmas coisas que garantiram que jamais repetiriam. Passem os anos que passarem, vão voltar a sentir as mesmas coisas, com a mesma intensidade, como se fosse a segunda vez (a primeira é diferente). Graças à vossa experiência, ao contacto com outras pessoas e a alguma psicoterapia pelo meio, pode até ser que desenvolvam boas técnicas para lidar com emoções. Mas, mesmo perante estímulos diferentes, vocês terão reações semelhantes. Até perante pessoas diferentes, que vos tratem de maneira diferente, em diferentes momentos, vocês reagirão da mesma forma.
Podem reler isto em vários momentos das vossas vidas: quando forem adolescentes e acharem que é um disparate; quando terminarem uma relação e continuar a ser um disparate; quando alguém vos mandar às urtigas e estiverem tristes ou enervadas para ler lições do vosso pai; quando forem viver com alguém pela primeira vez e admitirem que isto até pode fazer algum sentido; quando se divorciarem, ao fim de alguns anos de relação e constatarem que isto afinal até tem algumas coisas reais; ou quando celebrarem bodas de ouro ou prata e rirem, por terem a certeza de que isto é mesmo verdade.
O melhor exemplo que vos posso dar é este: passem os anos que passarem, de cada vez que se apaixonarem, as vossas reações serão as mesmas. Não importa a quantidade de vezes que sentirão isso antes, mas de cada vez que alguém que vos tira o ar se atravessar no vosso caminho, vocês vão voltar a sentir «borboletas na barriga», nessa estranha sensação que parece vir debaixo e só termina no sorriso idiota. Vão continuar a olhar para o telemóvel, ou outro aparelhómetro qualquer, à espera de uma mensagem. Vão continuar a adormecer a pensar na outra pessoa. Vão continuar a acordar e a ter vontade de disparar um «bons dias», mas se calhar até se fazem caras, para ver se chega uma mensagem do outro lado primeiro. De cada vez que tiverem a certeza de que estão apaixonadas e o disserem a alguém e o ouvirem da mesma pessoa, não conseguirão, durante algumas semanas, manter as mesmas rotinas. Nem o mesmo comportamento. Ainda bem. Vocês ão agradecer por cada segundo que isso durar.
PS: Se nada disto acontecer, não há problema. Não fizeram nada de errado. São apenas vocês que são sobredotadas emocionais. Deus vos livre disso.
Publicado originalmente na edição de 1 de junho de 2014