Povos de todo o mundo: reproduzi-vos

Notícias Magazine

Eu tinha um professor de Antropologia na faculdade que atribuía todos os problemas da civilização ao facto de esta basear a sua estrutu­ra fundamental – a família – no sentimento mais volátil que exis­te – o amor. Tenho pensado mais no professor Tito Cardoso e Cunha. Por causa daquilo que está a tornar-se o fator crítico que determinará o nosso futuro: descontadas as minudências, tudo se vai resumir ao que as nações e os seus povos fazem na cama. Cal­ma, não sejam tão apressados. Não estou a falar de sexo. Ou antes, não estou a falar do sexo em que vocês todos já estão a pensar. Es­tou a falar daquilo para que o sexo serve. Fazer bebés. Lembram–se? Pois, o problema é que parece que há muita amnésia no ar. Lá está, mais uma vez, os sentimentos a sobreporem-se às coisas prá­ticas da vida. O amor ou a natalidade – e será sempre esta última que determinará o nosso futuro.

Antigamente era tudo simples. As pessoas nasciam para ter filhos – eram o que assegurava, ou a sua própria sobrevi­vência, ou a das suas famílias, fortunas e poder. Por isso, o casa­mento era um contrato. Quando tudo era simples, isso não era ape­nas um objetivo individual. Era um fim nacional, a razão por que os países não acabavam, os povos não morriam, as economias flo­resciam. Enfim, as coisas andavam para a frente.

Depois veio a sociedade da abundância e da ciência – para simplificar, do fim das doenças e da comida à discrição. E neste bufete gigante tornou-se crítico controlar quantos lhe ti­nham acesso. O controlo da natalidade, que teve muitas conse­quências positivas e uma que está a revelar-se nefasta: a socieda­de do bem-estar. Trocado em miúdos e dando muitos passos à frente: ninguém está hoje muito disponível a sacrificar-se para ter filhos. Mais uma vez: os filhos perderam as suas vantagens práti­cas em função das teóricas. As grandes regalias que trazem são to­das ao nível do kutchi kutchi: podermos dizer – e sentir – que eles são o melhor da vida.

É isto que está a dar cabo de nós. Portugueses em particular e o mundo em geral. Portugal vai sair da cri­se – vai? – mais pequeno do que entrou. Ninguém quer vir para cá viver e os que cá estão têm tanto medo do futuro que deixaram de se reproduzir. É cru, mas é verdade. Os japone­ses deixaram de ter sexo – é a síndrome do celibato que faz que 61% dos solteiros e 49% das solteiras não estejam numa relação, 45% das mulheres entre os 16 e os 24 anos não que­rem contactos sexuais, um terço das pessoas abaixo dos 30 nunca teve uma relação amorosa. Resultado: estima-se que a população japonesa baixe um terço dos 126 milhões de hoje até 2060.

Também a China está aflita. Noutros tempos, quan­do isso era considerado legítimo, achou-se que a política do filho único era a panaceia para a demografia e a economia chinesas. E agora a China está aflita, entre os que não puderam ter mais filhos – por causa da política –, os que não querem ter – os jovens criados egoisticamente como filhos únicos – e os que não conse­guem arranjar parceira – 24 milhões de homens a mais, porque a política do filho único levou a uma espécie de eugenia, com abortos seletivos de meninas. Entretanto, aumentou a esperan­ça de vida e a China tem agora uma população a diminuir, pon­do enorme pressão nas contas públicas e nas gerações mais no­vas: o fenómeno chama-se 4-2-1, um neto sozinho, quando che­ga ao mercado de trabalho já tem o peso de cuidar dos dois pares de avós e dos pais.

Acabou a política do filho único – para os que também o se­jam – mas isso pode não chegar para sustentar a economia a lon­go prazo. Mas não é só a China. Ninguém, no mundo, sabe como resolver este problema, em que as nossas condições de existência – social, económica, política – estão a ser subjugadas pelos nossos devaneios sentimentais.

[08-12-2013]