Portugueses Extraordinários

O pai não a deixou realizar o sonho de dedicar a vida ao teatro, mas os sonhos não são coisa de que se desista. À beira dos oitenta, Odete Pinto Claro cumpriu o dela. No grupo de teatro amador que fundou, é dramaturga, encenadora e atriz. E ainda dá aulas numa universidade senior.

Cada um é para o que nasce e Odete, 79 anos, natural de Almada, nasceu para o teatro. Com dois anos já dava espetáculo, para deleite da plateia familiar. Aos 13, estreou-se na Academia Almadense, casa onde aprendeu tudo com o ator Joaquim Rosa, que via nela uma futura estrela. Futuro interrompido quando disse ao pai que queria ir para o Conservatório e apanhou a maior sova da sua vida. Outros tempos. Odete Pinto Claro, apesar da voz a fazer lembrar a da Amélia Rey Colaço e da força e alegria que lhe vemos hoje, e adivinhamos ontem, não teve como contrariá-lo. Casou, teve filhos, costurou e bordou bandeiras. Mas nunca deixou de representar nem de escrever, nem de inventar histórias nem de ler. E quando, aos 63 anos, a reforma do marido a fez mudar a vida toda para a aldeia da Percelada, concelho de Tábua, Odete determinou-se em cumprir o sonho. Fundou o Grupo de Teatro Amador da Percelada, que hoje se chama Perceladarte, Associação Juvenil. Numa terra com 170 habitantes, arrebanhou os jovens para o palco e todos para a plateia. «No início, andava porta-a-porta a vender bilhetes e diziam-me que já tinham visto muito circo. Hoje, estou a ensaiar uma peça e já me estão a pedir para os reservar. Os miúdos ao princípio representavam muito mal. Havia de os ver. Mas fizeram-se. E adoram. Não havia aqui nada para eles e é isso que leva a maus caminhos. Assim têm objetivos e ocupam bem o tempo». Odete também. Quando não está a ensaiar, está a escrever – todos os anos apresenta uma peça nova – ou a arranjar forma de produzir os espetáculos: é tudo feito por eles. E ainda dá aulas de teatro às quartas-feiras na Academia Senior de Tábua. «Tenho 27 alunos, de licenciados a gente com a quarta classe, como eu, mas ali somos todos iguais. Dou autores portugueses, exercícios de memória, de interação, de postura, tanta coisa.» Experiência que já lhe valeu ser convidada para dar palestras noutras universidade. Tudo faz com um sorriso. E não para. «Outro dia, dizia à minha neta “eu queria envelhecer com o teu avô, mas quando acordo só me apetece ir ao cinema ou ao teatro ou nadar no rio”. Gosto tanto de viver. E quando morrer, que seja em cima do palco. Assim, morro feliz.»