A vantagem do cavalete, de facto, é que não treme. E a vantagem desta forma humana de segurar na tela é que as leves tremuras de mãos podem ser introduzidas na própria obra do pintor.
Um traço que treme ligeiramente no quadro não porque a mão do pintor tremeu ligeiramente mas sim porque as mãos de Alexandre, o voluntário que segura na tela, tremeram.
Uma tela humanamente móvel, eis o que necessitam os novos pintores do século xxi para introduzir uma nova corrente na pintura: pintura em tela suportada por mãos humanas.
Podemos até pensar em pintores que correm atrás do homem que segura a tela. Como se fosse uma perseguição: a tela foge da mão do pintor. Tela com pernas, tela com vontade ou, pelo menos, com movimentos próprios. E sim, deste modo, a pintura transformar-se-ia noutra coisa, noutra arte, numa espécie de mistura entre arte plástica e arte marcial; arte de luta, arte de confronto, arte de perseguição e arte plástica – cor e corrida.
Imaginemos o pintor que corre atrás do homem-tela e o alcança, agarrando-lhe as pernas e derrubando-o, e que só assim, com a tela indefesa, derrubada, ele consegue pintar. Que pintura, que quadros não sairiam daqui.
Pois é isto mesmo, é necessário transformar a pintura numa actividade febril, numa actividade semelhante à caça – em que a tela deixa de ser objecto parado e passa a ser parente do animal que foge; tela-animal de floresta, tela que não está disponível, tela não dócil, tela que tem de ser conquistada, atacada, vencida, tela que exige resistência física, braços capazes de a derrubar. Só depois será necessária a tal perícia das artes plásticas, a perícia técnica.
O pintor-atleta; o pintor-caçador. A pintura-caça – a nova corrente da pintura no século xxi.
[Publicado na edição de 18 de Maio de 2014]