Quando estou triste ou ansiosa, coisa que me acontece com regularidade, umas vezes por culpa das regras deste jogo que é a vida e ao qual ainda não me habituei plenamente, outras vezes por culpa da minha própria cabeça, cheia de cantos e recantos, onde se escondem as coisas tristes e ansiedades que me vêm assolar quando menos espero, gosto de ficar a olhar para o céu estrelado.
Fico ali, de cabeça espetada, a mirar os pequenos pontos de luz e a imaginar que serei um ponto ainda mais pequeno do que aqueles que ali estão suspensos. A minha luz tremelica, como a deles, mas é muito menos intensa do que a deles. A minha vida é apenas mais um ponto de luz a tremelicar no universo. E assim, apequenando-me, apequeno também os meus problemas, que são a matéria escura que se esconde atrás da luz que brilha.
É tudo tão grande no universo. A escala é infinita e o infinito é incompreensível, porque o nosso reino é o do finito. O que está à vista é apenas um infinitésimo de tudo o que existe. Como nós e o nosso íntimo. O que se vê é apenas de curtíssimo alcance. Fica por descobrir tudo o que sobra. O olho nu vê pouco. Com óculos, pouco mais. De um telescópio, mais ainda. Mas nunca o suficiente.
Acho que é de propósito. Acho que o universo pretende ser inexplicável. Como nós. Nós somos parte dele. Bocados de estrelas que cessaram e explodiram, fartas de brilhar. Por isso é que o meu brilho nunca pode igualar o de uma estrela. É só parte dela, um resto. Isto tira-me um peso de cima. Desde miúda.
Quando estou triste, olho para o céu estrelado. Tem de ser à noite. O melhor sítio é longe das cidades. No campo, a céu aberto. Na cidade é difícil ver com algum detalhe. As luzes artificiais ofuscam as luzes cósmicas e na maior parte dos prédios não há terraço para se estar. Tem se ir à varanda ou pôr a cabeça de fora da janela, apoiada pelas mãos e levada pela imaginação.
Se eu contemplo, poderei estar a ser contemplada? Poderá estar algo ou alguém a olhar-me de volta, sem saber? Ou contemplo o vazio? Não me apoquenta qualquer uma das hipóteses. Se estiver acompanhada sei que não estou sozinha na tristeza ou na ansiedade. Que, mais além, há outro tremelique de luz que, ao inquietar-se, olha para cima e vê os outros tremeliques e sonha acordado com a imensidão das coisas. Se for o vazio, posso para aí enviar as minhas tristezas, que não farão mossa a ninguém. Como um meteorito que anda de um lado para o outro e que de vez em quando choca com alguma superfície dura, assim andam as tristezas e ânsias que lanço ao espaço sideral com os meus olhares. Talvez seja que o negro que cobre a maior parte do espaço seja o negrume de sentimentos que largamos ao vento e que é arrastado para o infinito. Ou talvez seja que o espaço pintado a negro seja o espaço em branco do universo, aquele que nos deixa sonhar com o que pode haver para lá do nosso telescópio.
Não estudei Astronomia porque sou mais amiga das palavras do que dos números. E sem números, não se estuda o Cosmos. Mas acho que sem palavras, também não. Muitas das teorias que pretendem explicar o universo e as suas regras pertencem tanto ao terreno da Filosofia como da Matemática. Uma das minhas favoritas é o multiverso. A possibilidade de o universo não ser, afinal, único, mas múltiplo. Um conjunto infinito de sistemas cósmicos. Neles poderiam existir vários “eus” que iam vivendo todas as possíveis vidas que a vida nos permite. Este eu que vos escreve seria apenas uma versão de entre as que existem nos multiversos. Do verso único, para os versos múltiplos. Que vão rimando, como uma infinita poesia.
ANA BACALHAU ESCREVE DE ACORDO COM A ANTIGA ORTOGRAFIA