Pela porta da frente

Acompanhar a equipa do Porta dos Fundos num jantar pós-espetáculo não é muito diferente de assistir ao dito. A Notícias Magazine passou uma madrugada com este coletivo brasileiro em Lisboa. Do show no Campo Pequeno a um restaurante no Chiado. Doeu. De tanto rir.

Ainda falta um dia. Menos de 24 horas para chegar à world wide web um novo sketch do Porta dos Fundos. Nós sabemos. Vocês sabem. Eles sabem. Poucos não saberão que este coletivo de humoristas brasileiros coloca todas as segundas e quintas-feiras um vídeo novo no seu canal do YouTube. Diríamos que os publicam religiosamente todas as segundas e quintas-feiras se «religião» não fosse uma palavra para soltar risada. Como todas as outras palavras: sexo, relações, desporto, operadoras telefónicas, língua portuguesa, casamento, divórcio, traição, excesso de peso, falta de peso… Tudo é passível de ironia. Tudo serve para fazer rir. Doa a quem doer. E todas as segundas e quintas-feiras, às 11h00 do Brasil e 15h00 de Portugal, há quem aceda à internet para sofrer mais um bocadinho – nem que seja de tanto rir.

Porta dos Fundos foi criado em agosto de 2012 e, em menos de dois anos de existência, tornou-se o canal brasileiro na internet a atingir mais rapidamente um milhão de inscritos e venceu o prémio da Associação Paulista dos Críticos de Arte (APCA) de Melhor Programa de Humor para TV. Os sketches têm mil milhões de visualizações e uma média de 70 milhões de visitas por mês. Em Portugal, geram um tráfego superior a um milhão de visualizações mensais.

É um sucesso que ninguém anteviu. Nem os seus criadores, Fábio Porchat, Antonio Tabet, Gregório Duvivier, Ian SBF e João Vicente de Castro. Nas palavras de Porchat, criador, guionista e ator, «quando nós cinco, os cinco sócios, decidimos fundar o Porta dos Fundos nunca imaginámos que pudesse chegar onde está agora».

Porta dos Fundos é muita coisa e, além do mais, é ambivalente. Para a equipa, é masculino. Para os fãs, feminino. «O» Porta ou «a» Porta? Não importa. É como diz Fábio Porchat: «O Porta não tem classe A, classe E,
mulher, homem, criança, velho… É muito heterogéneo, e isso é muito legal. A gente faz porque acha engraçado e as pessoas dão risada.»

ENTRADA NA ARENA
O Festival Porta dos Fundos aconteceu entre 2 e 5 de julho, no Campo Pequeno e no Cinema São Jorge. Trouxe a Lisboa 17 das 45 pessoas que constituem a equipa atual do coletivo brasileiro. Esgotou salas. Em oito dias, venderam-se todos os bilhetes para a derradeira «atuação», que juntava no palco Fábio Porchat e Ricardo Araújo Pereira (dia 5). E o one man show de Porchat no Campo Pequeno (dia 2) pôs seis mil pessoas a rir em uníssono durante uma hora non stop.

Nesses 60 minutos, Fábio não gaguejou uma única vez. Calava-se apenas alguns segundos para deixar soar as palmas e porque não conseguia sobrepor a sua voz às gargalhadas da audiência. Não parou nunca. Circulava em torno do pé do microfone, fazia uma meia maratona de meias brancas calçadas sob as havaianas desencontradas. (Ainda assim a «mulherada» não desmotivava…)

Começou por falar de si próprio, de como tinha emagrecido, do divórcio, da ex-mulher, de como ama viajar, de como odeia operadoras telefónicas, de gordos que comem tudo e dos magros que correm por todo o lado. Fazia ligações entre todos os temas, nunca perdia o fio à meada, nunca se engasgou e, aparentemente, nunca sequer improvisou. «Foi o maior espetáculo que já fiz. Em todos os sentidos!», disse-nos mais tarde. O sucesso justificou-o com uma simplicidade quase desarmante: «Eu me sinto à vontade, é gostoso, é bom, o público está a fim, o público quer. E é um show que já faço há muito tempo, que tenho muito firme. Engatei uma 5.ª e fui.»

TER GRAÇA OU SER ENGRAÇADO?
Falámos com Porchat no final do segundo dia de espetáculos (dia 3), já passava das duas da manhã. Esperámos a equipa no jantar pós-show que decorreu no Bistrô 100 Maneiras, sentámo-nos junto à mesa dos 17 e mais alguns. Nessa noite, juntavam-se a eles Maria Rueff, César Mourão e João Quadros. O restaurante estava cheio para os receber em tom de festa. Fumava-se e bebia-se. Falava-se alto.

Fábio respondia às nossas perguntas de copo de vinho tinto na mão e quase a gritar, depois de não se ter sentado sequer para comer. Falava com todos, sorria para as fotos de todos. A sua voz estava cada vez mais rouca. Não se desculpou com o cansaço.

«Estou rouco porque comemorei o meu aniversário em Londres», diz, deixando no ar um sorriso maroto. Tinha comemorado 31 anos a 1 de julho e festejou-os no espetáculo dos Monty Python, na capital de Inglaterra. «Eles se reuniram de novo e fui lá comemorar. A última vez que eles se reuniram foi no ano em que eu nasci. Convidei todos os sócios do Porta para irem assistir. Foi muito muito legal, a realização de um sonho. Gaguejei, fiquei nervoso…!»

Os comediantes britânicos estão no topo da lista de inspirações deste «carioca» que viveu desde o primeiro mês de vida em São Paulo e regressou ao Rio de Janeiro 19 anos depois. Foi na Cidade Maravilhosa que começou a fazer stand-up comedy e a escrever para a TV Globo. Foi lá que fundou o Porta dos Fundos, com mais quatro amigos, um microfone e duas câmaras. E será aí também que, no próximo ano, irão gravar uma série para a Fox Internacional. Assinaram contrato com uma cadeia de televisão. Choque para muitos que os julgavam independentes para sempre. «A gente não queria ser da televisão, queria ser da internet – e a gente é. Mas mais do que da internet, somos uma produtora de conteúdos. Vamos para o cinema fazer filmes, para a televisão fazer série, para o teatro… A nossa ideia é crescer, crescer!», admite. Para já, cresceram para cima – são donos de um prédio de quatro andares no centro do Rio de Janeiro.

Do futuro, Fábio espera também «fazer algo diferente». «Queria ter um programa meu. Só meu. Não sei do quê, mas quero.» Imagina-se sempre rodeado do público. É o que mais gosta. E não tem medo que a criatividade se esgote: «É a minha profissão, é o que eu faço da vida. Não pode acabar, senão eu morro!»