Os Silence 4 quebram o silêncio

No final de 1995, David Fonseca, Sofia Lisboa, Rui Costa e Tó Zé Pedrosa juntavam-se para formar os Silence 4. Em três anos, tornaram-se um dos maiores sucessos de sempre da música portuguesa. Este mês voltam aos palcos depois de 13 anos de silêncio. 

Junho de 1998. Quatro leirienses lançam o seu primeiro álbum, Silence Becomes It. Muito depressa o nome deixa de ser uma incógnita para milhares e milhares de pessoas. O disco torna-se um dos mais vendidos de sempre na história da música portuguesa (seis platinas, 240 mil cópias vendidas). Seis meses depois tocavam para uma Meo Arena (na altura Pavilhão Multiusos) lotado. Foram um fenómeno sem precedentes e os aplausos continuaram quando lançaram o seu segundo disco, Only Pain Is Real (2000). Mas apenas três anos depois de colocarem um país inteiro a cantar versos como «There’s nothing left for me to borrow/ I guess I’ll try again tomorrow» (do single Borrow), o grupo decidiu fazer uma pausa. Até agora.

Neste mês, David Fonseca, Sofia Lisboa, Rui Costa e Tó Zé Pedrosa reativam a banda para uma série de concertos, além do lançamento de uma caixa com material nunca editado. Não é que se celebre uma data redonda, como é habitual nestes reencontros. Passam-se 19 anos desde o nascimento do grupo e 13 desde a sua suspensão. A causa é bem mais nobre e o regresso servirá, acima de tudo, para celebrar a vida, depois da vitória da cantora Sofia Lisboa na luta que travou contra a leucemia nos últimos três anos. Aliás, parte das receitas dos espetáculos agora agendados (ver caixa) revertem para a Liga Portuguesa contra o Cancro.

Foi Sofia que desafiou os antigos colegas de banda a reunir o grupo, muito no início dessa luta. «Nem eu saberia se ainda estaria aqui», conta a cantora. Nenhum dos colegas hesitou. O «sim» foi imediato, relativizadas todas as possíveis dúvidas. «Eu só pensava: “Já não estou há algum tempo com eles. E se um dia algum desaparecer? Será horrível.” Por isso, este reencontro sabe dez vezes melhor», diz o baixista Rui Costa.

Com a doença vencida, é altura, para Sofia Lisboa, de sensibilizar as pessoas em relação à leucemia. «A ciência está tão evoluída que é ridículo morrer-se à espera de um dador [de medula óssea]. A nível europeu, Portugal até está bem colocado, mas nunca é de mais. Há quem pense que é complicado, mas é tão simples como tirar sangue. E o dador não tem de ser necessariamente um familiar, ao contrário do que muitos pensam.» Foi há três anos que Sofia recebeu o diagnóstico, mas no meio da tragédia acabou por ser «abençoada», como diz, já que teve a sorte de ter uma irmã com medula óssea compatível. E não poupa  elogios  aos  médicos,  enfermeiros, auxiliares e voluntários que a acompanharam no Instituto Português de Oncologia durante o tratamento. «Estive no topo das condições. Como costumo dizer, nem um multimilionário conseguia pagar um tratamento oncológico. E o nosso sistema de saúde suporta isso.» Quer que o seu caso sirva de exemplo e dê esperança a quem esteja a atravessar o mesmo problema. É também para isso que serve esta reunião.

Com o reencontro, os quatro músicos voltam a uma série de histórias e memórias interrompidas há mais de uma década. O ano de 1998 será para sempre um marco nas suas vidas. Percorreram Portugal de norte a sul, deram uma centena de concertos em seis meses, encerraram a edição desse ano do Festival Sudoeste e a Expo’98. A popularidade trouxe-lhes «muitos convites e facilidades», como lembra Sofia. E não foi fácil, para quatro jovens que não estavam habituados a tanta atenção, lidar com a fama. «De repente, os Silence 4 tornaram-se um animal que foi sendo alimentado e foi crescendo, até ficar maior do que nós. De vez em quando, mordia-nos. Deixámos de ter privacidade», explica Rui Costa. Mas se, pouco depois de lançar Silence Becomes It, o grupo ganhou uma dimensão sem precedentes, a verdade é que, até conseguir o contrato com a editora Polygram (hoje Universal Music), recebeu muitos «nãos». Só três anos depois da formação em Novembro de 1995 é que os Silence 4 lançaram o primeiro álbum. «Ainda tenho algumas cartas de rejeição. Acho-as maravilhosas porque hoje conheço aquelas pessoas. Acabámos por ser contratados porque tínhamos uma canção em número 1 do airplayda Antena 3. Mas foi uma sorte», conta David Fonseca.

Os primeiros concertos foram organizados pela própria banda, um deles no Clube Ritz, em Lisboa. Foram convidados jornalistas, editores e agentes. Quase ninguém
apareceu, a não ser os colegas de turma de David. Mas se levou tempo até que grandes  editoras lhes  dessem  real atenção, em Leiria sentiram um grande apoio logo aos primeiros passos. «Demos o primeiro concerto [no Orfeão] e encheu logo. Tocávamos noutro sítio e voltava a encher. A verdade é que na altura não existia muita coisa a acontecer aqui, mas esse apoio foi fundamental para nós.»

Para os quatro amigos, os Silence 4 foram «um escape». E fugiram à regra que dominava a cidade. «A maior parte das bandas de Leiria eram de punk rock ou de metal. Nós fizemos este exercício por oposição. Era também a nossa forma de rebeldia», explica David Fonseca. O primeiro concerto oficial aconteceu no Orfeão de Leiria. Mas antes deram o «primeiro concerto oficioso» na cozinha da sala de ensaios. Aí se reuniram os mesmos de sempre. Nessa fase inicial existia um certo «misticismo» à volta da banda, como descreve David. Os cartazes dos concertos não mostravam as caras dos músicos, por vezes tinham só uma mão ou uma sombra, o que ajudava ao mistério. «Havia pessoas que achavam que éramos uma banda estrangeira», lembra Sofia Lisboa.

Foi no Castelo de Leiria que gravaram a primeira maqueta, da qual já constava o clássico Borrow. A escolha do local partiu de um sonho de Rui Costa. «Houve ali um período em que não aconteceu nada e tínhamos de ser nós a inventar coisas e eu tinha a obsessão de gravar.» Pediram aos responsáveis e conseguiram assentar arraiais numa sala do castelo. O músico recorda como «as condições eram quase ridículas, ninguém grava assim, sem efeitos nenhuns».

Se há algo que define a história dos Silence 4 são os sonhos. E tanto sonharam que logo ao primeiro álbum colaboraram com um dos nomes maiores da música portuguesa, Sérgio Godinho, que não só escreveu a letra de Sexto Sentido, como a cantou ao lado de David Fonseca. A persistência nos sonhos levou-os pouco depois não só a atuar em alguns dos maiores palcos do país, como a gravar o segundo álbum, Only Pain Is Real, em Londres, contando com a colaboração de uma orquestra que já trabalhou com os Verve ou Robbie Williams. A escolha da capital britânica não foi um acaso. Depois de tanta atenção, o isolamento era essencial. «Escolhemos um sítio onde não andássemos na rua e tivéssemos logo alguém a perguntar pormenores do disco». Depois da temporada para gravações, voltaram a Londres em 2001, numa etapa que marcou a tentativa de internacionalização do projeto. Passaram ainda por Espanha e França. Sofia Lisboa lembra a forma descontraída com que encararam estes concertos além-fronteiras. «Fomos para curtir.» Ainda assim, David Fonseca esclarece: «Mais do que saber se íamos ou não ter sucesso, já estávamos era fartos de dar a volta aqui ao quarteirão. Queríamos ver como era. Fizemos concertos, tivemos reuniões, mas nunca houve um plano concreto.»

Mas foi precisamente o acumular de espetáculos, assim como o escrutínio desmedido de que foram alvo, que levaram ao inevitável cansaço. Para não repetirem fórmulas, já tocavam Borrow de todas as maneiras e feitios. «Estava tudo a ver os Silence 4 de lado.» Param então as máquinas e aos poucos cada um começa a envolver-se noutros projetos. David Fonseca iniciou a sua carreira a solo. Sofia Lisboa envolveu-se num negócio de família e também em projetos musicais, tal como Rui Costa, que integrou a Filarmónica Gil e acompanhou Mafalda Veiga. Tó Zé Pedrosa voltou a ser professor de Gestão. Mas nunca esqueceram aqueles anos que lhes mudaram a vida, como recorda o baterista: «Houve muitas coisas de que tive saudades. Não só deles, mas dos técnicos, dos roadies, vivemos momentos incríveis.»

A reunião que agora protagonizam começa em Ponta Delgada, no dia 15. E em breve voltam a uma sala onde já foram muito felizes, a Meo Arena, em Lisboa. Aí viveram o grande momento de consagração da banda, a 18 de dezembro de 1998. «Acreditavam que íamos encher o Atlântico? Eu não!», desafia David. Se a sala ficasse a meio «já era espetacular» concordam os outros. Mas encheu. Já antes tinham vivido outro momento especial, que foi fechar o Festival Sudoeste, dois meses depois de lançarem o primeiro álbum. Na Zambujeira do Mar tocaram depois de PJ Harvey e dos Portishead. Beth Gibbons, vocalista da banda, chegou a meter conversa com David Fonseca, que só pensava «estamos lixados». No final saíram vitoriosos, o que certamente ajudou a que se tornassem um fenómeno. A expetativa é grande para 5 de abril, dia em que regressam à Meo Arena, mas confiança não lhes falta. «Estamos a fazer isto por uma razão maravilhosa e agora temos mais histórias, além de que estamos mais sábios e claramente mais bonitos», brinca David Fonseca. Mesmo que já tenham passado 13 anos desde que se «calaram», não ficaram perdidos na memória. E agora o silêncio chega ao fim.

NM1136_silence401

QUATRO CONCERTOS E UMA CAIXA
O Coliseu Micaelense, em Ponta Delgada, será o primeiro espaço a acolher a reunião dos Silence 4, no próximo dia 15. SongBook 2014 é o nome da digressão que os levará ainda no dia 22 à Praça do Mar, no Funchal, no dia 29 ao Multiusos de Guimarães e a 5 de abril à Meo Arena (Lisboa). Esta reunião moti­va também o lançamento de uma caixa com a discografia in­tegral da banda, além de mate­rial inédito e várias raridades. A caixa será lançada neste mês e além dos álbuns Silence Becomes It (1998) e Only Pain Is Real (2000), inclui ainda o CD Rarities 1996-2000. Este disco contém as oito demos que fizeram parte da maqueta original da banda, uma do tema Old Letters, datada de 1997, duas canções tocadas ao vivo na Aula Magna, em 1999, uma versão dos Pixies e cinco remisturas do tema Only Pain Is Real. Faz ainda parte desta edição um DVD que inclui o regis­to do concerto que o grupo deu na Meo Arena, em 1998 (nunca editado), 15 canções registadas ao vivo no Coliseu de Lisboa, em 2000, e quatro telediscos.