O Senhor Voltaire olhando para uma foto, exclama:
Segundo parece, em 1936, uns tantos ocuparam uma fábrica e entraram na propriedade privada do patrão com os seus gritos públicos – palavras ditas em comunidade como se aquilo fosse um coro grego e muito clássico. De facto, as manifestações e as greves trazem palavras misteriosas que conseguem juntar milhares de pessoas. Eis um dos lemas: Os operários têm pescoço como as rosas e os patrões tesoura como os jardineiros. Era o que se ouvia, em surdina, em algumas manifestações.
(outra foto)
Havia ainda uma lei de 1884 que permitia que os trabalhadores se pudessem juntar, mesmo que não fosse para trabalhar. O que era uma lei perigosa, diga-se. Se quem trabalha se junta fora do local de trabalho, é porque algures, por aí, existe vinho, baile ou uma tendência perigosa para a revolução. Daí a importância de se oferecer vinho e música aos trabalhadores que se juntam.
(outra foto)
Em 1960 os doentes deitam-se, lado a lado, em camas já organizadas.
(outra foto)
Mas aparecem os antibióticos; e a morte – a partir de 1945 – começa a cair em menor quantidade sobre a cidade. É evidente que, por pessoa, a morte vem em igual quantidade: uma morte por pessoa. Porém, o que desceu imenso foi o número geral por número de habitantes. Para quem morre não há melhoria da estatística que o console, mas para quem sobrevive a alegria é outra.
(outra foto)
Em 1945-46 o número de perguntas também diminuiu – disse o senhor Voltaire. – Respondem, respondem, respondem, eis o que fazem os cidadãos ao longo de uma década.
Nessa década, os acidentes de viação aumentaram, o vício do tabaco generalizou-se entre os animais com lábios e dedos capazes de manipular cigarros, e as leis tornaram-se mais requintadas; deixaram de ser: sim, não. Surgiram os advogados.
A partir daí, portanto, as coisas nunca mais foram simples – disse o senhor Voltaire.
GONÇALO M. TAVARES ESCREVE DE ACORDO COM A ANTIGA ORTOGRAFIA
[15-12-2013]