O senhor Voltaire observa fotos do século XX e comenta, exclama, ironiza.
(foto)
O Senhor Voltaire diz: como se vê aqui nesta foto, os trabalhadores gostam dos patrões. Os patrões gostam dos trabalhadores. As greves existem como existem ciúmes no meio de dois apaixonados. O dia seguinte é de abraços muitos longos e de promessas curtíssimas.
(outra foto)
O senhor Voltaire disse:
Antes de determinada data do século XX, os sindicatos dos trabalhadores eram tão ilegais como o acto de assassinar a vizinha. Depois, assassinar manteve-se ilegal. As coisas mudam, portanto e apesar de tudo.
(outra foto)
Como se vê por esta foto – disse o senhor Voltaire –, em 1955 já há cortinados feios, e o rádio encontra-se no canto do quarto, e o quarto encontra-se no canto da casa, e a casa encontra-se no canto do bairro, e o bairro encontra-se no canto da cidade. Portanto, o rádio é o único centro das vidas que foram empurradas para a periferia. O rádio traz notícias do centro e assim o ouvido das pessoas que vivem na periferia torna-se uma parte fisiologicamente central, fisiologicamente actualizada.
(outra foto)
Em 1956, em plena cozinha, uma máquina muito grande executava uma função muito pequena. Mais tarde, o tamanho das má-quinas diminuiu e as funções aumentaram. Até ao ponto em que a máquina desaparecerá no meio da paisagem (ou a paisagem no meio da máquina) e nenhuma função ficará por cumprir. É uma previsão – disse o senhor Voltaire.
(outra foto)
Diz o senhor Voltaire:
Como se vê, os homens usam muito bigode, dividindo o rosto em dois; e a inteligência fica para cima e as palavras para baixo. E, separadas que estão as duas partes, é natural que o homem diga futilidades, mas pense profundamente.
GONÇALO M. TAVARES ESCREVE DE ACORDO COM A ANTIGA ORTOGRAFIA
[08-12-2013]