– Conheço um homem que escreve com os pés.
– Com os pés?
– Sim.
– Mas isso não é um homem, é um cavalo.
– Não, não, não. Conheço um homem que escreve com os pés e que resolve problemas de matemática com as mãos.
– Com as mãos?
– Sim. Ele diz que a escrita é uma actividade menor, uma actividade ambígua, passível de interpretações. Ele diz exactamente isto: para a exactidão da escrita as patas bastam. É o que ele diz, utiliza mesmo este termo: patas. Para a confusão da escrita as patas do homem bastam, para a exactidão da matemática é que é necessário utilizar as mãos. É o que ele diz.
– É uma forma de ver a coisa.
– Os pés são para as actividades menores, as mãos para as actividades elevadas.
– É uma forma de ver.
– Ele diz ainda que a matemática é um artesanato em que se utiliza algarismos em vez de outro tipo de material. E, por isso, a importância das mãos.
– Artesanato, a matemática? Nunca tinha pensado em tal coisa.
– As crianças é que sabem. Elas contam pelos dedos. Os dedos são o próprio material da matemática.
– Os dedos são números. Dez dedos. O homem organizou o mundo que o rodeia em redor do número 10 porque tem dez dedos. Se tivesse onze, veja o problema.
– Com dez dedos organizámos o mundo.
– Podemos, de facto, considerar que o mundo não está bem; está torto, mal feito, é caótico, estranho e imprevisível mas eu estou completamente convencido de que se em vez de dez dedos tivéssemos onze ou nove o mundo ainda estaria mais desorganizado.
– Os números pares, apesar de tudo, são simétricos e harmoniosos, os números ímpares são o diabo. É isso?
– É isso mesmo.
GONÇALO M. TAVARES ESCREVE DE ACORDO COM A ANTIGA ORTOGRAFIA
[05-01-2014]