O senhor Voltaire e o século XX: Os dois géneros humanos

Notícias Magazine

Conheço um homem que mal acorda diz: não. Assim mesmo: não.

Não?

Está sozinho, completamente sozinho no quarto e, aos poucos, os seus olhos vão abrindo. Ele ainda não acordou e já está a di­zer… NÃO.

Não?

É interessante, não é? Ainda não aconteceu nada, ainda nin­guém lhe pediu ou exigiu nada, ninguém fez qualquer pergun­ta, o mundo está calado e quieto e ele acorda e diz: não. É uma ati­tude forte.

Sim, é uma atitude forte.

Há depois um outro género humano…

Ou seja, há dois géneros humanos.

Dois. Mas esqueça o género feminino e masculino. Há, de facto, dois géneros humanos essenciais. Um que, quando se levanta, no exacto momento em que acorda, diz: não. E um outro género hu­mano que mal acorda diz: SIM.

Não há, portanto, homens e mulheres, há seres humanos que dizem: sim, ao acordar, e outros que dizem: não.

Exactamente. Essa separação é bem mais radical do que a que resulta de simples diferenças fisiológicas.

É como se um homem se levantasse a dizer: avancemos! E outro se levantasse dizendo: é a altura de recuar.

Pois bem, comecemos a organizar a cidade de uma outra for­ma. Em vez de: mulheres para um lado, homens para outro, crian­ças para um lado, velhos para outro – comecemos então a propor: quem diz sim para aquele lado, quem diz não para o outro.

A cidade dos homens que dizem sim. A cidade dos homens que dizem não. Duas cidades opostas. Duas cidades quase inimigas.

GONÇALO M. TAVARES ESCREVE DE ACORDO COM A ANTIGA ORTOGRAFIA

[29-12-2013]