– Conheço um homem que mal acorda diz: não. Assim mesmo: não.
– Não?
– Está sozinho, completamente sozinho no quarto e, aos poucos, os seus olhos vão abrindo. Ele ainda não acordou e já está a dizer… NÃO.
– Não?
– É interessante, não é? Ainda não aconteceu nada, ainda ninguém lhe pediu ou exigiu nada, ninguém fez qualquer pergunta, o mundo está calado e quieto e ele acorda e diz: não. É uma atitude forte.
– Sim, é uma atitude forte.
– Há depois um outro género humano…
– Ou seja, há dois géneros humanos.
– Dois. Mas esqueça o género feminino e masculino. Há, de facto, dois géneros humanos essenciais. Um que, quando se levanta, no exacto momento em que acorda, diz: não. E um outro género humano que mal acorda diz: SIM.
– Não há, portanto, homens e mulheres, há seres humanos que dizem: sim, ao acordar, e outros que dizem: não.
– Exactamente. Essa separação é bem mais radical do que a que resulta de simples diferenças fisiológicas.
– É como se um homem se levantasse a dizer: avancemos! E outro se levantasse dizendo: é a altura de recuar.
– Pois bem, comecemos a organizar a cidade de uma outra forma. Em vez de: mulheres para um lado, homens para outro, crianças para um lado, velhos para outro – comecemos então a propor: quem diz sim para aquele lado, quem diz não para o outro.
– A cidade dos homens que dizem sim. A cidade dos homens que dizem não. Duas cidades opostas. Duas cidades quase inimigas.
GONÇALO M. TAVARES ESCREVE DE ACORDO COM A ANTIGA ORTOGRAFIA
[29-12-2013]