O senhor Voltaire e o século XX : Objetos, homens e animais

Notícias Magazine

1.

De qualquer maneira, quando fecho os olhos os outros vêem-me melhor. É quase uma lei.

Uma lei?

Sim. Eu formularia a questão da seguinte maneira.

Força, Excelência.

– … se queres que os outros te observem com atenção, se queres que os outros detectem em ti detalhes e pormenores essenciais: fecha os olhos. Finge-te cego.

Entendo.

É que ninguém observa bem aquilo que também está, ao mesmo tempo, a olhar para ele. É uma questão de duas forças em sentidos contrários. Se o outro também está a olhar para nós, nós deixamos de ser observadores e passamos a ser obser­vadores e observados, ou seja, elementos de um duelo. E por is­so mesmo…

E por isso mesmo?

– … é que os objectos se deixam descrever com um pormenor que os humanos, quando observados, não permitem. Como não têm olhos… os objectos são coisas que existem no mundo apenas para serem vistas.

A diferença entre um homem e um objecto é portanto…

É que um objecto está no mundo para ser visto e um homem está no mundo para ser visto, sim, mas também para ver.

Para ser utilizado, mas também para utilizar.

Mais ou menos isso.

2.

Um cão e uma circunferência. Dois inimigos.

Sim?

Um cão que ladrasse de uma forma geométrica.

Sim?

Um cão que ladrasse com o total domínio da harmonia.

Sim?

Não seria um cão.

Pois sim.

Pois eu digo isto ainda, juntamente com os populares: não se entretêm os leões na caça dos tubarões.

Pois não.

Os leões caçam o que está quieto ou se mexe, mas sempre em solo firme. Não são tontos.

Nem aves, nem tubarões. Os leões pertencem ao elemento animal de infantaria.

E digo mais.

Diga, Excelência.

Digo: não se endireita a sombra de uma vara torta.

Pois não. Mas, por favor, não falemos de economia, Excelência.

Ok.

GONÇALO M. TAVARES ESCREVE DE ACORDO COM A ANTIGA ORTOGRAFIA

[19-01-2014]