Há cerca de ano e meio, poucas semanas antes do nascimento da minha filha, falava com o meu melhor amigo sobre algumas dúvidas que eu tinha em relação à paternidade. Não me inquietava muito sobre se seria, ou não, um bom pai. Acho que nesses momentos, e sobretudo nos casos de pais de primeira viagem, como era o meu caso, podemos estar totalmente às escuras sobre a logística do que aí vem, mas, no que toca a sentimentos, acreditamos piamente que seremos incapazes de não os amar e não os proteger. E que isso bastará, mesmo que tudo o resto falte – não é bem assim, mas só depois de eles estarem cá fora é que percebemos. Seja como for, as minhas dúvidas eram outras. «Como é que passamos valores?» «Como é que ensinamos a generosidade?» «Como é que explicamos que não vale tudo para chegar mais longe?» «Como é que educamos os afetos?» «O que fazer se ela não quiser comer brócolos?» «E se for mal-educada para a professora?» «E se fizer birras de meia-noite, daquelas que vemos no supermercado com os filhos dos outros?»
Não é que algumas destas questões me tirassem o sono – as cólicas de uma criatura de 45 centímetros é que tiram o sono –, mas outras andavam a moer-me a cabeça há muito tempo. E, como o segundo filho do meu amigo tinha nascido há pouco tempo, eu achei que ele podia ser uma boa pessoa para me tranquilizar. Afinal, a experiência haveria de valer para alguma coisa. Não me enganei. «Não consegues prever nada», respondeu ele. «Todos os dias, fazes o melhor que consegues. E, no fim do dia, esperas que isso tenha sido boa ideia. Se não foi, corriges no dia seguinte.»
Nos últimos 17 meses, nem sempre apliquei este conselho da melhor maneira. Houve muitos, imensos momentos em que criei expetativas sobre este ou aquele comportamento da pequena cria. Mas, apesar de ter havido dias em que os planos me saíram furados, houve outros em que aquela conversa me veio à cabeça. «Não tentes antecipar, porque há coisas que não vais conseguir controlar.» Era isto que pensava – é isto que eu penso!! – em jeito de lengalenga tranquilizadora, para me convencer de que há desígnios bem maiores do que a minha vontade ou a vontade da mãe. E que a nossa vontade pode facilmente esbarrar na vontade daquele ser pequeno de grandes pulmões, que agora já não tem 45 centímetros.
A poucos dias do nascimento da minha segunda filha (e até já poderá ter nascido, no dia em que este texto for lido), confirmo que a experiência tem mesmo utilidade. O suficiente para saber, entre outras verdades, que só com o exemplo é que posso esperar que as minhas filhas venham, um dia, a fazer alguma das coisas que eu acho corretas. E que os meus pais achavam corretas. Como dizer «bom dia». «Obrigado.» «Toma, eu empresto-te.» «Cuida de mim e eu cuido de ti.» Para a maior parte de todas as outras coisas que farão parte da vida delas, a minha vontade ou influência talvez não pesem tanto. Mas, pelo sim pelo não, estarei sempre por lá, para tirar alguma dúvida.
Essa foi, possivelmente, a grande lição que aprendi no último ano, no capítulo «relações pessoais»: o que eu quero, o que eu desejo, o que eu acho que é melhor é apenas válido para mim, num determinado espaço físico e período de tempo. E a qualquer altura pode ter de ser alterado, em nome de uma coisa maior. E habituar-me a isso, na relação com a minha filha, fez-me ver as coisas de forma diferente, na relação com os adultos, os crescidos à minha volta. Em minha casa. Com a minha mulher. Na minha rua. Com a minha família. Com os meus amigos. No meu trabalho. E olhem que isso não é coisa pouca de aprender num ano.
[05-01-2014]