Há cerca de um mês na Av. Duque de Loulé, em Lisboa, pela hora de almoço, uma carrinha de caixa aberta parou num semáforo. Na cabina do condutor, três homens. Um deles, braço de fora da janela, cigarro entre os dedos, ao ver quatro raparigas a passar no passeio, não se conteve e virou a cabeça. «Agora fazia-te um filho ou dois.» Pouco importava a qual delas se dirigia o fino galenteio. Era para quem apanhasse. A coisa podia ter ficado por ali. Mas não ficou. Uma das raparigas, não devia ter mais de 20 anos, abrandou o passo. E alto, muito alto, para garantir que toda a gente na rua ouvia, soltou: «Era preciso era teres pila para isso.»
Perdoem o quase vernáculo, mas não há outra forma de o descrever. Tal como não houve forma de conter sorrisos e gargalhadas. Meus, de quem passava e dos companheiros do cavalheiro. Ele também se riu. Mas o tom amarelado não deixava dúvidas sobre o melão encaixado.
Não sei se ela teria tido a presença de espírito para dar aquela resposta se estivesse sozinha. Ou se a cena tivesse ocorrido à noite, numa rua mal iluminada. Ou como seria se ele fervesse em pouca água e tivesse pouca capacidade de encaixe. Ou se ao sentir-se humilhado entre os companheiros – e com as gargalhadas deles a aquecerem ainda mais a raiva do rapaz – resolvesse pedir contas à moça que, afinal, teve apenas jogo de cintura.
Não pensei muito nisto até esta semana ao ler no insuspeito Times um artigo com chamada de primeira página: «Feministas VS Chauvinistas machistas». A propósito de um documentário sobre a exploração da imagem feminina e o aparente crescimento de fenómenos de misoginia entre os homens no reino de Sua Majestade, o jornal britânico lançava a discussão: afinal os homens estão mais sexistas? O programa em questão – cujo nome não foi revelado – será emitido brevemente na BBC e talvez não passe despercebido num país onde os homens gostam de se embebedar em pubs e cantarolar alegres cantigas sobre belas donzelas – e o que gostariam de lhes fazer.
Isto não nos diz muito sobre os machos britânicos, mas serve de pretexto para pensar nos lusitanos. Por cá, não se sabe de nenhum documentário sobre comportamentos machistas a estrear, nem tão-pouco está agendado para breve nenhuma iniciativa como a que em agosto do ano passado fez furor nas redes sociais: a realização de um debate sobre o piropo, promovido por duas militantes do Bloco de Esquerda, a propósito do Fórum Socialismo 2013. Elsa Almeida e Adriana Lopera queriam pôr a sociedade a «discutir o assédio verbal». De certa forma conseguiram. Não da melhor maneira, tal a chacota de que foram alvo, nem com os melhores objetivos atingidos, tal a quantidade de mulheres que acharam a ideia apenas ridícula.
Eu sou suspeito, porque também me ri daquilo. E também achei a coisa patética. Mas, apesar de considerar que o fenómeno do piropo deve ser devidamente enquadrado e relativizado, dou por mim a pensar que parte da minha opinião sobre o tema se deve a duas questões. Uma biológica: sou homem. Outra de educação: fui criado por uma mãe e duas irmãs mais velhas (com o devido respeito pelo meu pai e pela influência que ainda hoje tem em mim). Por isso, a partir de agora, cada vez que penso no assunto, penso na única coisa ao meu alcance: como não posso alterar a educação dos tipos que soltam piropos destes, posso educar as minhas duas filhas a terem resposta pronta. E a saber usá-la em contexto próprio. É que as palavras, como se sabe, podem deixar uma pessoa sem roupa.