Há música para qualquer estação do ano, como há para qualquer emoção, sentimento ou pensamento humanos. Mas no Verão parece que, por estarmos mais focados nos prazeres da vida do que nas suas dificuldades, tudo se conjuga melhor para que a vontade de ouvir música se consubstancie em presença em concertos, de preferência ao ar livre.
O primeiro concerto que vi foi precisamente no Verão, quando estava de férias na terra dos meus avós maternos, numa aldeia perto de Tondela, chamada Carvalhal de Mouraz. A escolha recaiu sobre uma banda portuguesa, os Sitiados, que estavam a braços com o êxito da canção Esta Vida de Marinheiro. Na altura, deveria ter uns 13 anos, e o que conhecia de música portuguesa era o que passava na rádio e televisão. Não era um conhecimento informado ou interessado.
Tinha-se a impressão de que a música portuguesa era uma espécie de parente pobre da música internacional, ou, pelo menos, o rock e a pop produzidos cá eram vistos com alguma condescendência. Até aos anos 80, um concerto num estádio estava reservado a grandes nomes internacionais e a sua vinda a Portugal era vista como um enorme acontecimento, fruto de um circuito de concertos ainda pouco organizado e pouco poderoso, que não conseguia realizar grandes eventos com regularidade.
Foi a partir dos anos 1990 que o número de concertos e festivais de música organizados em Portugal subiu de forma considerável. No início da década também aconteceu algo que marcou porventura uma geração de futuros músicos portugueses. A música portuguesa começou a ser ouvida de forma maciça e a vontade do público não se esgotava na audição dos discos.
Foi o tempo dos Resistência, dos Madredeus, dos Sitiados e do retumbante êxito dos GNR e Rui Veloso, com Rock in Rio Douro e Mingos & Os Samurais, respectivamente. E foi o tempo em que os GNR esgotaram o Estádio José Alvalade e se organizou a primeira edição do Portugal ao Vivo. Desta forma se percebia que a música portuguesa, no caso, a música pop, rock e popular, atraía grandes plateias e era capaz de vender milhares de discos num ápice.
Desde então, a relação que mantemos com a música portuguesa, apesar de alguns altos e baixos, tem vindo a fortalecer-se. Ainda falta percorrer algum caminho para que consigamos ter a mesma relação com a música que produzimos do que os espanhóis ou brasileiros têm com a sua música. Ainda se tende a considerar a música nacional menos interessante do que a música internacional ou a dar-se-lhe menos atenção nos media.
Contudo, a prova de que há interesse do público português na música que cá se produz são os inúmeros festivais e festas com um cartaz exclusivamente lusófono que acolhem milhares de pessoas, ansiosas por ouvir um dos momentos mais ricos e interessantes que a música nacional atravessa.
As pequenas caixas onde se procurava arrumar a música também estão cada vez mais postas de lado e já é possível que uma parte do público que vai ver Xutos & Pontapés, David Fonseca ou Pedro Abrunhosa tenha também interesse em ver António Zambujo, Ana Moura ou Deolinda. E não é por falta de oferta de música internacional. Pelo contrário. Até porque a música portuguesa também se tem internacionalizado.
Hoje, não só no fado como em outros géneros encontramos exemplos de artistas ou bandas que foram construindo um nome e uma reputação fora de Portugal.
Será interessante ver como irá evoluir esta relação que se tem vindo a fortalecer ao longo dos anos. E de que forma poderá influenciar futuras gerações de músicos portugueses na sua composição, performance e gestão de carreira.
Ana Bacalhau escreve de acordo com a antiga ortografia
Publicado originalmente na edição de 24 de agosto de 2014