Mundo pequenino

Notícias Magazine

A distância mede-se em apertos de coração. Em palavras ditas que caem no silêncio e emudecem porque não está lá nin­guém para as ouvir. Em medos e franzires de sobrolho, que o mun­do não é um lugar seguro e as pessoas não são de confiança.O mundo é um lugar estranho e hostil, se acreditarmos nisso. Se nos deixarmos levar pela sua aparente grandeza.

É verdade que é grande. Tão grande que o perdemos de vista. Sentimo-nos pequenos, apequenados. Separados uns dos outros por distâncias tão grandes que demoram dias e anos a per­correr. Mesmo que o outro esteja ali mesmo ao nosso lado. O mun­do é grande porque a sua escala não cabe na nossa escala do dia-a-dia, com um horizonte pequeno, até onde o olho alcança. Esse é o horizonte que sabemos ser nosso, o horizonte cujos perigos co­nhecemos e para os quais nos preparamos. O nosso limite na ex­ploração imediata do território é o sítio onde pomos os pés, sem nos lembrarmos que ele se estende para lá das fronteiras inventa­das pelos humanos, por uma extensão que a vista não alcança e que dá a volta ao mundo.

O sítio onde pouso os pés dá a volta ao mundo. O cami­nho que piso é o caminho que pisam tantos mais, aquém e além. E, de repente, sinto que não estamos assim tão longe e que o mundo não é assim tão grande que impeça que eu pise o mesmo chão que alguém a muitos quilómetros de distância. Penso que as palavras que digo, mesmo que esteja sozinha, não hão-de ser vãs, mas que as há-de le­var o vento por esse caminho comum fora. Elas hão-de chegar a al­gum lado, a algum ouvido, sob a forma de uma brisa leve que passa ou de um trovão de ressoa. O aperto no coração de saudade dos ami­gos e família que foram morar longe de nós desaperta-se um bocadi­nho à medida que caminho, certa de que eles também caminharão. Os que nos possam assustar com os seus hábitos que desconhecemos e línguas e costumes que não entendemos, também eles estão no nos­so caminho que dá a volta ao mundo. E também eles se assustarão com coisas nossas que não compreendem.

Pensa-se que somos diferentes e, por isso, distan­tes. Mas se uma terra tem flores e outra tem pedras, não deixa de ser por isso a mesma terra. A Terra. É sempre a mesma. E uma só. Se a virmos assim, torna-se pequena. Ou à nossa dimensão, que so­mos um só e sempre o mesmo. Apesar de diferentes, do nascimen­to à morte. Mudamos com as estações da vida, como muda a Terra com as estações do ano, mas seremos sempre essencialmente os mesmos.

Cada pessoa, uma Terra. Uma viagem mais curta do que esperávamos, mas que nos leva muito mais longe do que ima­ginávamos. E agora, sobretudo agora, que o tempo também se mede de maneira diferente. A rapidez com que chegamos aos ou­tros é mais “rápida” do que há uns anos. Com o clique de um bo­tão mágico, teletransportamo-nos para onde queiramos. Com­pramos um assento com duas asas e voamos quase tão rápido quanto os sonhos de homens que viveram há 150 anos.

Se não nos assusta o facto de andarmos cada vez mais de­pressa em direcção a outro lugar, a outra pessoa, por que nos assus­ta a imensidão do mundo? Já é tão difícil perdermo-nos nele. Se ca­lhar, é por isso. Porque é difícil cair no mundo e perdermo–nos nele. Ir à aventura. Há sempre um «Google Street View» para nos mostrar que o mundo com que sonhamos é por vezes diferente do mundo que existe.

Isso não é necessariamente mau. Já se sabe que o mundo lá fora é sempre diferente do mundo cá dentro. E que, quando comparados, o mundo exterior é incomensuravelmen­te mais pequenino do que o mundo interior. Se assim for, não há razão para ter medo.

ANA BACALHAU ESCREVE DE ACORDO COM A ANTIGA ORTOGRAFIA

[Publicado originalmente na edição de 4 de maio de 2014]