Moda: esqueçam o tear, chegou a impressora

A impresão 3D chegou à moda e promete alterar o modo como tudo é feito e pensado. E talvez não faltem muitos anos para que a roupa seja «impressa» à medida e ao gosto de cada cliente. Esta pode muito bem ser a próxima grande revolução do mundo.

No lançamento do seu último álbum, Artpop, Lady Gaga apresentou-se num armazém em Brooklin, Nova Iorque, vestida com aquilo que defi­niu como «o primeiro vestido voador do mundo». O Volantis estava ligado a dois motores que transportaram a cantora ao lon­go de sete metros, uns centímetros acima do chão. O vestido tinha sido desenvolvido pela equipa de Gaga em conjunto com o Studio XO – uma empre­sa que cruza a moda com novas tecnologias e efeitos especiais – e veio confirmar que há definitivamen­te um novo caminho para a indústria da moda, um que alia a tecnologia à inspiração.
E embora não se espere que a eletrónica domi­ne as indumentárias da alta-costura, há, porém, uma certeza: o fabrico digital a três dimensões vai dar cartas. E como é que isto funciona? «Trata-se da disposição e acumulação de material em secções – camadas – bidimensionais muito finas e sucessi­vas que vão crescendo» e formando uma peça de roupa, diz Francisca Pinto de Oliveira, investigado­ra na área do fabrico digital. «E daí resulta o objeto tridimensional final.»

A impressão 3D já começou a operar uma peque­na revolução nos processos de fabrico e manufatura de roupa e acessórios, trazendo para o atelier dos esti­listas o trabalho de arquitetos e programadores. Iris van Herpen, por exemplo, começou em 2009 a expe­rimentar a impressão das suas criações, recorrendo a tecnologia que antes era usada por companhias como a General Electric ou a Ford para construir compo­nentes de eletrodomésticos e automóveis. Em decla­rações ao canal norte-americano CNBC, a designer de moda holandesa disse que a impressão 3D lhe per­mitia «liberdade ilimitada», porque podia usar um programa informático para desenhar, modelando um figurino para ser impresso a três dimensões. E is­so significava não ter de comprometer as suas ideias, como acontecia quando as transferia da mente para o papel. «No início, era difícil, porque de repente tu­do passa a ser possível e não sabes onde começar», confessava. Contactada pela Materialise, empresa de software e serviços de impressão 3D com sede na Bélgica, ainda em 2009, Iris trabalhou com arquite­tos para criar os modelos de roupas que seriam «im­pressas» em poliamida, material que conjuga resis­tência com flexibilidade e, portanto, não tolhe os mo­vimentos de quem o queira usar.

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O primeiro vestido articulado e inteiramente pensado para impressão 3D foi usado, já em 2013, por Dita von Teese. A rainha do burlesco, mode­lo e artista multifacetada deu o corpo à criação do estilista Michael Schmidt – conhecido por ter de­senhado para Lady Gaga um vestido feito de plás­tico a imitar bolas de sabão. O vestido de Dita von Teese foi concebido em colaboração com o arquite­to Francis Bitonti e construído pela Shapeways, ou­tra empresa de impressão 3D, fundada na Holanda e com sede em Nova Iorque. Preto e com uma textu­ra de rede, o vestido exigiu a junção de 17 partes in­dependentes, coladas em três mil pontos de união. A peça foi decorada com 13 mil cristais Swarovski e feita para as medidas de Von Teese. E não se ajusta ao corpo de mais ninguém.

«O fator “feito à mão” é aqui substituído pelo “pe­ça única”», reforça a arquiteta portuguesa Francis­ca Pinto de Oliveira, doutorada pela Architectural Association de Londres e que tem na fabricação di­gital uma das principais áreas de investigação. Em Barcelona, onde fez o mestrado, Francisca traba­lhou no FAB LAB, um laboratório que integra uma rede do MIT e onde esteve em contacto com todo o tipo de equipamento que a impressão 3D requer. Também em Barcelona, fez parte do grupo curato­rial de uma exposição sobre este processo de fabri­co que, aponta, «difere dos demais processos pela li­berdade em realizar geometrias complexas que não seriam, talvez, tão bem efetuadas ou mesmo possí­veis de efetuar recorrendo a outros processos».

Para a arquiteta, a questão da exclusividade, da personalização, é precisamente um dos grandes pontos de interesse da tecnologia 3D. Para já, na alta-costura, onde os preços são proibitivos para o cidadão comum. O uso de ferramentas permite até começar a falar na «customização em série», uma vez que a impressão de quinhentos objetos diferen­tes fica exatamente ao mesmo preço da impressão de quinhentos objetos exatamente iguais. Neste caso, aponta Francisca, o cliente pode ser parte integrante do processo criativo, quase como um coautor. «Du­rante o processo de conceção, há uma interação en­tre o designer e o cliente», quase como se se tratasse de ir ao alfaiate e fazer um fato à medida.

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Um objeto produzido em 3D, recorrendo a vários materiais, deixa de ser um protótipo, mera represen­tação do que o cliente pretende, e passa a ser a pe­ça final, pronta a ser comercializada. O designer dei­xa assim de depender da sua habilidade no desenho para dar asas à imaginação nas criações. Mas pas­sa a ter de adquirir competências para usar softwa­res bem mais complicados. O domínio deste tipo de programa abre portas a uma estética mais futurista, que permite passar para o computador os modelos que escapem a uma reprodução simples de papel e caneta. «A mudança requer adaptação», confirma Francisca. «O designer passa a ser engenheiro têxtil quando está a definir a forma como o material vai ser impresso, vai ser estilista quando modelar o esboço, costureiro quando lida com a forma como as partes do vestido se relacionam entre si – neste caso não há provas! – e tecelão quando imprime.»
E as possibilidades são múltiplas: ao nível do cal­çado, por exemplo, vários sapatos já foram impres­sos na totalidade e existe até a possibilidade de im­primir uma sola personalizada, ou seja, fazer o scan da planta do pé para criar uma espécie de palmilha que garante os apoios necessários para um cliente em particular. Também já existe oferta de joias que podem, ou não, ser impressas em metais precio­sos. Em Portugal, uma equipa de investigadores da Universidade do Minho desenvolveu uma impres­sora que trabalha com pó de ouro puro e o aplica em várias camadas de nanopartículas que definem a cor da joia consoante o padrão em que são coloca­das. Tudo isto com a mesma tecnologia que, além e aquém da moda, serve à medicina para próteses, por exemplo, ou à arquitetura. «Já foram propostas impressões de casas», diz a especialista.

Uma das grandes limitações deste processo de im­pressão 3D é precisamente a questão da escala, já que a dimensão das impressoras determina a dimensão das peças a produzir – mesmo que a investigação já esteja a trabalhar para que seja possível imprimir, imagine-se, as peças de uma moradia. Esta desvan­tagem não tem grande impacte na indústria da mo­da, ao contrário da segunda limitação que Francisca aponta: os materiais. Na impressão 3D, por norma, cola ou laser unem as camadas de cerâmica, políme­ros ou resinas. E estes materiais não são conhecidos pela confortabilidade no vestir. «Ainda há um longo caminho a percorrer. Para já, as possibilidades que existem não podem chamar-se tecidos no sentido convencional do termo. São mais estruturas flexíveis ou malhas compostas por elementos interligados, produzidos de acordo com as dimensões tridimen­sionais do corpo e que evitam as costuras.» Mas a ciência tem progredido, impulsionada pelas empre­sas com interesse na área, no sentido de criar os te­cidos da próxima geração, ao mesmo tempo que um novo modelo de negócio se desenvolve para a moda, partindo da crescente difusão dos equipamentos de impressão a três dimensões.

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Será que vai acontecer com as impressoras 3D o mesmo que  aconteceu com as outras – tornaram-se uma commodity? «Tudo tem que ver com a dimen­são, a resolução e o material em que se imprime. Co­mo todas as tecnologias, também esta vem sofrendo grandes metamorfoses», diz Francisca. E se há má­quinas a custar muitas centenas de euros, também existem impressoras 3D low cost «por 700 euros». Até já existe uma impressora 3D que se replica, ou seja, permite imprimir as peças de plástico necessárias para construir uma impressora igual – a RepRap, de Adrian Bowyer. E enquanto alguns designers pio­neiros vendem online as peças já impressas, outros preferem vender ao cliente o ficheiro digital e deixar que seja o próprio a tratar da impressão, recorrendo aos serviços de outra empresa especializada.
Num futuro não muito distante, talvez seja possí­vel fazer o download do ficheiro de um anel para im­primir em casa. «Mas não acredito que a tecnologia substitua o talento», diz a arquiteta. «Não se trata de substituir o trabalho desenvolvido por um designer ou costureiro, mas antes dar uma nova ferramenta aos estilistas que lhes permite desenvolver o traba­lho de forma diferente.»
Em Portugal, quem quiser utilizar este tipo de equipamento pode fazê-lo em laboratórios de im­pressão 3D que, numa lógica de open source, se ofe­recem para a experimentação: o Fablab EDP em Sa­cavém, ou o Opo’Lab, no Porto. No site da  Bee Very Creative os clientes podem descarregar imagens dos objetos disponíveis para imprimir na BeeThe­First, a primeira impressora 3D concebida em Por­tugal, pela Bee Very Creative, uma empresa da Ga­fanha d’Aquém (Aveiro).