A menina que está na capa desta edição é… Miley Cyrus. Talvez não tenham percebido. Talvez ela tenha qualquer coisa da adolescente que viria a ser, no olhar desafiador ou na pose de quem domina. Mas essa é a pose de tantas meninas de 9 anos, mais ou menos mimadas… Até porque esta é Miley Cyrus quando ainda se chamava Destiny Hope Cyrus. Neste nome – o verdadeiro, mas que parece tão falso como o artístico – que os pais lhe deram, já parecia estar contido todo o seu futuro. Nesse «destino de esperança» com que os pais, um músico de country e uma agente de espetáculos, quiseram que ficasse marcada a passagem da filha pela terra.
Foram também os pais Cyrus que incentivaram a filha a ser artista e a representar pequenos papéis para os quais ia sendo convidada. Mais tarde, foram eles que assinaram o grande contrato com a Disney, o que a tornou uma estrela e passou a restringir toda a sua liberdade de movimentos quando a menina Cyrus se tornou a personagem Hannah Montana, seguida por milhões de adolescentes fervorosas em todo o mundo. Quando Miley se tornou uma superestrela à escala mundial e quebrou recordes de vendas atrás de recordes de vendas foram eles que a acolitaram. Miley nunca foi menina. Foi sempre uma estrela à guarda dos pais e coberta por um contrato.
Hoje à noite será uma Miley Cyrus um pouco diferente desta menina com ar feliz da nossa capa que atuará no Meo Arena. Não sabemos bem que objeto sexual vai escolher para levar para o palco, mas uma certeza temos: ela chegará até ele escorregando por uma língua gigante. A língua parece ter passado a ser o fetiche desta artista-antigamente-conhecida-como-Hannah-Montana, hoje vamp sexual e sexualizada, tentando chocar tudo e todos com as suas atitudes pornográficas.
A língua passou a ser a sua imagem de marca e Miley pôs-se a lamber tudo e todos. Como se quisesse marcar a cuspo a sua liberdade. Esta é a versão que ela própria pôs a correr – e hoje sabemos todos como é tão fácil por uma versão a correr, por todas as redes reais e cibernéticas. Diz ela que finalmente se sente livre, depois de estar tantos anos presa a um contrato – é certo que milionário – com a Disney. Que hoje, sim, é mais ela do que era quando representava a – estrela, é certo, mas bem-comportada – Hannah Montana.
É uma versão que dá uma ótima história. Só não se percebe porquê. Qual é o choque que Miley pretende? A revolução sexual deu-se há mais de 40 anos, e só quem nunca viu um casal dançar quizomba se pode chocar com o roça-roça das ancas de Miley nas partes sexuais de outros artistas. O seu rabo frenético não chega às rótulas de bailarinas de hip-hop que, aliás, têm mais músculo para abanar. É verdade que a juventude americana é sexualmente muito imberbe. Mas não é completamente ingénua.
O que nos leva a uma única conclusão: Miley só é chocante porque o mundo pensa nela como uma menina. Miley só é escandalosa porque joga com essa coisa perversa de ter presente de mulher e passado de menina. Miley só chama a atenção porque está num terreno para lá de proibido – imoral e recalcado. E é uma obra extraordinária de marketing que ninguém fale disso.
Publicado originalmente na edição de 15 de junho de 2014